17 de novembro de 2009

"O dia da Consciência Negra veio para fortalecer nossa identidade"

naiara
Naiara Rodrigues Silveira, filha única de Oliveira Silveira



Em 1971, um dos fundadores do Grupo Palmares declarava o 20 de novembro, dia da morte de Zumbi dos Palmares, como a data máxima da comunidade negra brasileira. Este idealizador era Oliveira Silveira, pesquisador, poeta e historiador gaúcho. Sete anos depois, o 20 de novembro foi elevado ao Dia Nacional da Consciência Negra.

Foi neste ambiente de ativismo e contestação que Naiara Rodrigues Silveira, 40 anos, cresceu. Filha de Oliveira Silveira, o engajamento ao Movimento Negro foi uma conseqüência natural. Professora e supervisora de uma escola estadual, ela também é secretária geral da Associação Negra de Cultura (ANdC), fundada por seu pai em 1987.

Naiara já foi muito atuante no MN e, com a morte do pai em janeiro deste ano, teve sua atenção voltada para a organização do acervo de sua obra. O livro de Poemas de Oliveira Silveira, que será lançado na sexta-feira (20/11/2009), também contou com a participação de Naiara em sua elaboração.

Imprensa SJDS - Por que o movimento negro gaúcho resolveu buscar uma nova data para reverenciar a luta dos negros contra o regime escravagista, em substituição ao 13 de maio?

Naiara Rodrigues Silveira - O 13 de maio representa para a população negra um grande engodo. Uma lei que trouxe a liberdade de direito, mas não de fato. Os negros chegaram ao Brasil "seqüestrados" da África, sem absolutamente nada. Aqui, construíram o país. Com o advento da abolição da escravatura, foram "despejados", sem direito a nada (educação, propriedade, trabalho, etc.), enquanto os imigrantes receberam vários incentivos para virem para o Brasil: terras, gado, escola, entre outros. Portanto, essa data não trouxe dignidade ao povo negro.

Imprensa SJDS - Qual a importância de comemorar o Dia da Consciência Negra?

Naiara Rodrigues Silveira - Ser negro é muito além do tom de pele. É um jeito de ser, de viver e de entender a vida. Ter consciência de tudo isso nem sempre é um ato fácil em uma sociedade racista como a nossa. É muito difícil ser negro e assumir a negritude. É uma questão de auto-estima. Trezentos anos de escravidão dizendo que "tu não és gente" não poderia dar em outra coisa.

O Dia da Consciência Negra veio exatamente para marcar uma tomada de consciência de quem nós somos, através do fortalecimento de nossa identidade. Ainda não temos muito para comemorar, embora o Movimento Negro Gaúcho seja um dos mais atuantes do país. Temos muito a conquistar no campo da eqüidade e igualdade de oportunidades. Enquanto não chegamos lá, devemos comemorar o Dia da Consciência Negra, levando nossa resistência, mas também nossa cultura, que é a base da cultura brasileira.

Foi através da pesquisa do Grupo Palmares, onde militava Oliveira Silveira, o idealizador do "20 de Novembro", que essa data foi escolhida por ser o possível dia de morte de Zumbi dos Palmares. Nesta data comemoramos não a liberdade, mas a tomada de consciência de nosso povo sobre seu valor e sua contribuição a este país. Hoje, repetimos isso em memória de nossos ancestrais.

Imprensa SJDS - Você acredita que as comunidades negras aqui do Estado conseguiram preservar as suas características culturais, como a religião, por exemplo?

Naiara Rodrigues Silveira - Certamente, embora com muita dificuldade. Dizem os estudiosos que temos peculiaridades nos cultos africanos daqui que não são encontradas em outras partes do país. Temos duas grandes vertentes: uma definida como Angola Conguense e outra Yorubá ou Gegê Nagô, influenciada pela Nigéria e, em menor escala, pelo Benin. A presença destas religiões é ostensiva em todo o Estado. O Rio Grande do Sul possui o maior número de terreiros do Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Porém, acredito que nossa religião esteja ameaçada pela intolerância de algumas igrejas, principalmente pelas neo-pentecostais. A comunidade negra religiosa resiste bravamente, com lideranças de expressão no cenário religioso nacional. Os negros cultores destas religiões, que ainda mantém a autenticidade em suas atitudes e moradias, devem ser protegidos desta ameaça, assim como toda cultura afro-gaúcha.

Imprensa SJDS - Como você vê a figura do negro na identidade do gaúcho?

Naiara Rodrigues Silveira - A população negra no Brasil é de 48%, conforme pesquisa de auto-declaração do IBGE, mas, na verdade, sabemos que é bem maior. No Estado, ela chega a aproximadamente 16%, mas sua influência está emaranhada em todos os segmentos.

A figura do negro sempre foi vista como "menor" na construção da identidade do gaúcho. Isso se deve a uma postura preconceituosa em que somente as culturas alemãs, italianas, polonesas e outras, de origem branca, são consideradas como formadoras da comunidade gaúcha. Hoje sabemos da influência do negro em toda cultura sulista.

Ainda temos muito que caminhar e isso começa na escola, que ainda não conta a história do negro no RS e de seus heróis. Por isso, desejamos a implementação da lei que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira".

Imprensa SJDS - Como você avalia a atuação do Movimento Negro hoje e a inserção do negro na sociedade brasileira?

Naiara Rodrigues Silveira - O Movimento Negro vem crescendo em número, organização e ação. Nas décadas de 60 e 70, o movimento era de denúncia e resistência; hoje, ele é também propositivo. Graças a ele, houve avanços significativos em diversas áreas e temos adquirido, embora timidamente, a visibilidade e a inserção na sociedade. A conquista das ações afirmativas é uma delas. A luta não pára, irá continuar até que as diferenças se unam e não separem. Ser diferente sim, mas com direitos iguais.

www.sjds.rs.gov.br

5 de janeiro de 2009

Nasce um ancestral

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por Horácio Lopes de Moraes

Oliveira Silveira tipo raro dos pampas, referência que seguramente figurará entre as mais importantes para nós negros riograndenses, mesmo sem evocar toda aquela querela do gaúcho macho bagual. Não foi preciso isso.

Suas palavras mostraram a força que pode ter um negro apenas articulando pensamentos e nos deram a dimensão de quanto as nossas ações podem ser importantes pesquisando apenas uma data, dia 20. Além disso, todos que o conheceram sabem que seus gestos tinham ingredientes fartos daquilo que alicerça qualquer relação de respeito e confiança e que também muitos de nós temos a dificuldade em admitir que não a possuímos: humildade.

Por si só, as ações do poeta são ensinamentos valiosos que, para mim, transcederam a sua obra.Durante nossos últimos encontros, isso ficou evidente.

Na Liga da Canela Preta, dos tempos modernos, em novembro último, topo com o mestre me solicitando uma conversa e, ao vê-lo, vem à baila o que minha mãe alertava: ele não está bem, precisamos fazer algo.

Em outro sentido, me recebe com seu sorriso peculiar, seu apertar de mão e sua ascenada com a cabeça em tom positivo talvez mais peculiares ainda e me fala: "olha, sei que estás atrasado para o jogo, e acho que não vou ficar até que acabe, gostaria de te dizer que separei uma lista com nomes africanos como sugestão para o gurizão que está chegando..."

Já com sérias dificuldades físicas de locomoção, o cabelo todo branco, alvíssimo, e sem o seu porte que, há poucos meses, erguia uma compostura saudável de um homem "experiente", Oliveira precisava daquele encontro amigo comigo, assim como com todas as outras pessoas com as quais julgava necessário fazê-lo antes de...

Sim, com certeza ele sabia que poderia perder a luta no próximo round, o adversário, forte, não estava recuando e, muito pelo contrário, o fez reagir a contragosto dos seus pensamentos militantes para diminuir seu passo e cumprir o papel da despedida.

Mais projetos e aspirações o poeta ainda guardava, o nosso próprio nazi-hino sulino ele ainda gostaria de ver atingido por sua lança, de lanceiro negro, e ver virar hino, de verdade.

Ocorre que sair da travessia na esmagadora maioria das vezes não é como entrar nela a despeito da única certeza que temos em vida. De um lado se tem nove meses para prover condições tanto a nós quanto ao descendente; de outro, pode-se não ter sequer um instante para o último olhar, olhar que embaraça e faz confundir os sentidos de quem fica.

De fato, ainda pude ter a chance de me encontrar novamente com o mestre, já no hospital, para que me sugerisse uma dica fundamental no nome que eu e minha mulher escolhemos para o nosso filho, Aluiatã, que nascerá em fevereiro. O nome escolhido, em verdade, pela mãe terminava indígena sem a mudança que, segundo Oliveira, poderia transformá-lo em um anagrama yorubá, para assim dar sentido a Aluiatan (A_lui_atan).

Nesta ocasião, com muita dificuldade de manter-se acordado, fazia bastante esforço para não perder a linha de raciocínio enquanto dava explicações em torno do nome, apagava por até minutos, mas voltava justamente do ponto onde havia parado, como que remoendo pensamentos tão profundos quanto o arcabouço de vida que acumulou durante todos esses anos.

O professor... sempre a ensinar.

E não é que nesse dia vi até novela. Como ele mesmo dizia, o prazer infame que havia adquirido durante esses dias de malogro, passava "no doze", às oito da noite. Horário após o qual, no dia da visita, 30 de dezembro, eu e minha mãe decicimos nos despedir.

Dia 1º, à noite, ela atende o telefone e vem à minha direção com a notícia no semblante, "não deu". Pois aí é que pensei e, creio, Dona Vera concordará comigo: deu sim.

Nosso poeta soube como um exímio atleta passar o bastão. Homem com requintes da educação do interior, sim, ele fez questão de se despedir. A exemplo dos costumes que aprendeu, exerceu uma coerência que talvez explique seu próprio caráter, e que me impressiona muito. É algo que levarei adiante, e que meu filho já trará engendrado no nome.

É algo que a sociedade riograndense clama sem nem sequer se dar conta. É algo que o Brasil ainda verá transformado em feriado, em novembro. É algo de que, talvez, só o povo negro poderá dispor ao mundo com sua ancestralidade exclusivamente matriarcal.

Uma coerência que também se percebe no ciclo que persevera a "passagem" entre nós, dando início a uma vida, ao passo que aconchega outra que, neste caso, faz jus a um grande nascimento.

Dia 1º de janeiro de 2009 nasce nosso mais novo ancestral, o poeta digno de um cunho de lanceiro, negro: Oliveira Silveira.

2 de janeiro de 2009

OLIVEIRA SILVEIRA: POETA DA CONSCIÊNCIA NEGRA VIRA CONSTELAÇÃO

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Chove intensamente em Porto Alegre, então o evento que aconteceria neste sábado (03/01), em homenagem a Oliveira Silveira, foi trasnferido. Aguarde divulgação de nova data.
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Mesmo indo embora desse mundo, para virar constelação, Oliveira Silveira recebe homenagens.

Neste sábado (03/02) a partir das 18 horas, em frente a Prefeitura Municipal de Porto Alegre, acontereá um Saral Poético ao ar livre em homenagem ao pesquisador e poeta Oliveira Silveira que partiu, neste dia 02 de janeiro.

O evento contará com a presença de alguns dos maiores artistas negros do Rio Grande do Sul, cada um prestando, com sua arte, uma homenagem a vida, a obra e a personalidade cativante de Oliveira Silveira.

Histórias curiosas, fotos de acervo pessoais, depoimentos emocionados, dentro agregado a uma egrégora de cultura negra transversal, assim como a vida do pai do 20 de novembro.

O tributo é uma inciativa da Cufa-RS, em parceria com o Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra do RS - CODENE, demais entidades com assento no conselho e várias entidades do movimento negro gaúcho e brasileiro, com o apoio da Prefeitura de Porto Alegre, da Secretaria da Cultura e da Secretaria da Justiça e do Desenvolvimento Social, através da COPIR.

PARTICIPE!

1 de janeiro de 2009

MORRE IDEALIZADOR DO DIA DA CONSCIÊNCIA NEGRA, em Porto Alegre

por Isabel Clavelin

Faleceu ontem (1/1/09), em Porto Alegre (RS), o professor, poeta e pesquisador gaúcho Oliveira Ferreira da Silveira. Era conhecido nacionalmente pelo 20 de Novembro - cujas comemorações se iniciaram em 1971 pelo Grupo Palmares, na capital gaúcha -, como data referência para os afro-brasileiros em contraponto ao 13 de Maio, Dia da Abolição da Escravatura.

O óbito ocorreu na noite do Dia Mundial da Paz por decorrência de câncer, no Hospital Ernesto Dornelles, onde estava internado há 15 dias. Natural de Rosário do Sul (RS), era formado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com especialização na língua francesa, e professor aposentado da rede pública de ensino. Era divorciado. Deixa filha e netos. Seu corpo será cremado nesta sexta-feira (2/1/09) em cerimônia reservada. As cinzas serão transportadas para sua cidade natal, de acordo com desejo expresso a familiares e amigos.

O 20 DE NOVEMBRO

Integrante de maior projeção do extinto Grupo Palmares, foi porta-voz da nascente data política para o Brasil, que fazia uma releitura histórica através da adoção de Zumbi dos Palmares como herói nacional. Estava em jogo a desconstrução do mito da liberdade concedida, substituído pela combatividade negra durante todo o período de escravização e pela denúncia da ação do racismo, do preconceito e da discriminação racial no Brasil.

O Grupo Palmares, fundado em 20 de julho de 1971, realizou uma série de atividades públicas - durante o regime militar - para evocação de ícones negros como Luiz Gama e José do Patrocínio. A reverência a Zumbi dos Palmares, ato de maior relevância daquele ano, ocorrera no Clube Náutico Marcílio Dias, em Porto Alegre, frequentado por negros. Em 1978, o 20 de Novembro foi elevado a Dia da Consciência Negra a partir da fundação do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR).

ATUAÇÃO CONTRA O RACISMO

Oliveira Silveira teve constante atuação no Movimento Negro através da militância política e da produção literária negra. Fundou o grupo Semba, a Associação Negra de Cultura e integrou o corpo editorial da revista Tição (publicação do Movimento Negro gaúcho no final dos anos (1970). Com presença marcante, participou da produção cultural gaúcha, compôs rodas de intelectuais e formadores de opinião. Fora homenageado em diversos eventos, entre eles a Feira do Livro de Porto Alegre.

Escreveu uma dezena de livros (Poema sobre Palmares, Banzo Saudade Negra, Pêlo Escuro, Roteiro dos Tantãs, entre outros), e inúmeros poemas acerca da vida dos negros no Rio Grande do Sul e sobre a questão negra de forma geral. Uniu-se a ativistas culturais e políticos através de sua obra poética, como Pedro Homero, Oswaldo de Camargo, Paulo Colina, Cadernos Negros. Sua produção correu o mundo, com coletânea de autores negros publicada na Alemanha e poesias registradas em revistas de universidades dos Estados Unidos (Virgínia e Califórnia).

Foi conselheiro de notório saber em relações étnico-raciais do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), no período 2004-2008. Atualmente, colaborava com a Secretaria por meio de consultoria acerca da preservação dos clubes negros como patrimônio material e imaterial afro-brasileiro. Dedicava-se, também, ao informativo eletrônico Negraldeia (http://www.negraldeia.blogspot.com/) juntamente com Evandoir dos Santos.

Frequentador assíduo dos clubes negros gaúchos, como a Sociedade Beneficente Cultural Floresta Aurora e a Associação Satélite Prontidão, Oliveira Silveira foi o idealizador e articulador do 1º Encontro Nacional de Clubes Negros, em 2006. Mapeou mais de 70 entidades desse seguimento existentes no País.

SIMPLICIDADE

Era entusiasta da causa negra, como ele próprio preferia denominar. Militante negro. Lutava contra o racismo. Colaborativo, tinha perfil agregador e encantava a todas as pessoas com suas histórias de um período elementar para o Movimento Negro brasileiro. Vivia num apartamento na avenida Assis Brasil, zona Norte de Porto Alegre, repleto de livros e pilhas de revistas e jornais - referências para estudos, aprendizado e ensino de uma vida.

Gostava de registrar fatos e acontecimentos, de longas conversas e de coisas simples, como os passeios com o neto Tales ou pelo Centro de Porto Alegre, com paradas estratégicas no Mercado Público, na Esquina Democrática, na Rua da Praia e no Centro de Cultura Mário Quintana, onde era encontrado por quem quisesse desfrutar de sua agradável companhia. Um homem negro especial que, como bem disse uma militante negra gaúcha, virou estrela.

MAIS SOBRE OLIVEIRA SILVEIRA, por ele mesmo

Trechos de entrevista concedida a Jader Nicolau, do Portal Afro

20 DE NOVEMBRO

"O 20 de novembro começou a ser delineado em encontros informais na Rua dos Andradas, aqui em Porto Alegre. Estávamos em 1971. Reuníamo-nos e falávamos muito a respeito do 13 de maio, do fato desta data não ter um significado maior para a comunidade. A partir desta constatação comecei a procurar outras datas que fossem mais significativas para o movimento. Comecei a estudar a fundo a história do negro e constatei que a passagem mais marcante era o Quilombo dos Palmares. Como não haviam datas do início do quilombo, tampouco do nascimento de seus líderes, optei pelo 20 de novembro. Colhi esta informação numa publicação da Editora Abril dedicada a Zumbi, que dava esta data como a de seu assassinato, em 1665. Por ser uma revista, não se apresentava como fonte segura. Resolvi pesquisar um pouco mais, como forma de garantia. mais adiante, no livro "Quilombo dos Palmares", de Edson Carneiro, a data se repetia. Considerei esta fonte segura, pela importância do autor. Além disto, tive acesso a um livro português que transcrevia cartas da época, numa delas era relatada a morte de zumbi, em 20 de novembro de 1665. A partir de então colocamos em ação nossas propostas. Batizamos o grupo de Palmares e registramos seu estatuto, em julho. No dia 20 de novembro do mesmo ano (1971), evocamos pela primeira vez o "Dia Nacional da Consciência Negra", na sede do Clube Marcílio Dias."Há pessoas que imaginam que o Grupo Palmares tenha chegado ao 20 de Novembro através da obra de Décio Freitas, historiador branco que escreveu "Palmares, A Guerra dos Escravos", livro que teve o mérito de pesquisar mais a fundo a vida de Zumbi. O fato é que quando decidimos pela data, não conhecíamos nem Décio Freitas nem sua obra, ele a havia editado no Uruguai, durante o exílio, em agosto de 1971. A decisão de nosso grupo, portanto, é anterior a publicação de seu livro."


O GOSTO PELAS LETRAS

"A literatura surgiu em minha vida na época em que ainda morava em Rosário. Minha infância foi marcada pela poesia popular, quadrinhas e versos de polca entoados durante os bailes campeiros. Ritmos típicos do meio rural gaúcho. É um momento especial, onde as mulheres tiram os homens para dançar e aí se cantam versos, o par diz uma quadrinha um para o outro, começando pelo rapaz e respondida pela moça. Também me lembro dos "causos" contados pelos mais velhos na cozinha, ao redor do fogareiro. Essas narrativas são um substrato da minha literatura."

Mais adiante tive contato com livros e comecei a escrever. Em 1958 publiquei meu primeiro poema, num jornal de Rosário. Isto foi muito importante para o início de minha carreira. A partir dos estímulos recebidos de amigos continuei a escrever poemas regionalistas, que marcam até hoje meu estilo. Não me desvinculei desta linguagem rural. Claro que depois experimentei outras tendências, até chegar na poesia negra, na medida em que me conscientizava".


OLIVEIRA EM VERSOS

Roteiro dos Tantãs

ENCONTREI MINHAS ORIGENS

Encontrei minhas origens
em velhos arquivos
....... livros
encontrei
em malditos objetos
troncos e grilhetas
encontrei minhas origens
no leste
no mar em imundos tumbeiros
encontrei
em doces palavras
...... cantos
em furiosos tambores
....... ritos
encontrei minhas origens
na cor de minha pele
nos lanhos de minha alma
em mim
em minha gente escura
em meus heróis altivos
encontrei
encontrei-as enfim
me encontrei

Música para Oliveira Silveira, de Deise Benedito

"Angola Congo Benguela Monjolo Cabinda Mina Quiloa Rebolo
Aqui onde estão os homens
Há um grande leilão
Dizem que nele há
Um princesa à venda
Que veio junto com seus súditos
Acorrentados num carro de boi
Aqui onde estão os homens
Dum lado cana de açúcar
Do outro lado o cafezal
Ao centro senhores sentados
Vendo a colheita do algodão tão branco
Sendo colhidos por mãos negras
Eu quero ver
Quando Zumbi chegar
O que vai acontecer
Zumbi é senhor das guerras
È senhor das demandas
Quando Zumbi chega e
Zumbi É quem manda"


Obrigado meu amigo Oliveira Silveira, por tudo o que vc representa, na grandeza da sua suprema humildade, na sabedoria das suas palavras na sua ousadia de resgatar o nosso heroi nacional Zumbi dos Palmares. O céu ganha mais uma estrela para iluminar os nossos caminhos! Valeu Oliveira Silveira. Valeu Zumbi! Vamos aguardar quando Zumbi chegar! Leve minha saudade. Afro abraços Deise Benetido

Morre idealizador do Dia da Consciência Negra

Morreu no último dia 1º de janeiro, em Porto Alegre (RS), o professor, poeta e pesquisador gaúcho Oliveira Ferreira da Silveira, conhecido nacionalmente por ser o idealizador do Dia da Consciência Negra, que acontece no dia 20 de novembro. A data, cujas comemorações se iniciaram em 1971 pelo Grupo Palmares, na capital gaúcha - é referência para os afrobrasileiros em contraponto ao 13 de Maio, Dia da Abolição da Escravatura.

O pesquisador morreu aos 67 anos, em decorrência de câncer. Ele estava internado havia 15 dias no Hospital Ernesto Dornelles. Natural de Rosário do Sul (RS), era formado em Letras pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com especialização na língua francesa, e professor aposentado da rede pública de ensino.

Integrante de maior projeção do extinto Grupo Palmares, Oliveira Silveira foi porta-voz da data política de 20 de novembro para o Brasil, que adotava Zumbi dos Palmares como herói nacional. Estava em jogo a desconstrução do mito da liberdade concedida, substituído pela combatividade negra durante todo o período de escravização e pela denúncia da ação do racismo, do preconceito e da discriminação racial no Brasil.

O Grupo Palmares, fundado em 20 de julho de 1971, realizou uma série de atividades públicas durante o regime militar para evocação de ícones negros como Luiz Gama e José do Patrocínio. A reverência a Zumbi dos Palmares, ato de maior relevância daquele ano, ocorrera no Clube Náutico Marcílio Dias, em Porto Alegre, frequentado por negros. Em 1978, o 20 de Novembro foi elevado a Dia da Consciência Negra a partir da fundação do Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial .

Racismo - Oliveira Silveira teve constante atuação no movimento negro por meio da militância política e da produção literária negra. Fundou o grupo Semba, a Associação Negra de Cultura e integrou o corpo editorial da revista Tição (publicação do Movimento Negro gaúcho no final dos anos 1970). Com presença marcante, participou da produção cultural gaúcha, compôs rodas de intelectuais e formadores de opinião. Foi homenageado em diversos eventos, entre eles a Feira do Livro de Porto Alegre. O pesquisador também escreveu uma dezena de livros e inúmeros poemas acerca da vida dos negros no Rio Grande do Sul e sobre a questão negra de forma geral.

Foi conselheiro de notório saber em relações étnico-raciais do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República (Seppir), no período de 2004 a 2008. Atualmente, colaborava com a Secretaria por meio de consultoria acerca da preservação dos clubes negros como patrimônio material e imaterial afro-brasileiro.

A deputada Janete Rocha Pietá (PT-SP) afirmou nesta sexta-feira que Oliveira Silveira morreu depois de cumprida uma missão. "Ele morreu depois de o Congresso aprovar o dia 20 de novembro como o Dia Nacional da Consciência Negra e reconhecer Zumbi dos Palmares como herói nacional. Valeu a luta. À família nossas condolências. O professor morre com a missão cumprida", afirmou.

30 de dezembro de 2008

VOTO DE APLAUSO AO PROFESSOR OLIVEIRA SILVEIRA

por PAULO PAIM

Conforme matéria da Radiobrás, assinada pelo jornalista João Carlos Rodrigues, o professor e poeta Oliveira Silveira foi o primeiro brasileiro a sugerir que o dia 20 denovembro – data da morte de Zumbi do Palmares – fosse adotado como dia de celebração da luta da comunidade negra brasileira.

Em plena ditadura militar, um pequeno grupo de cidadãos negros costumava se reunir no centro de Porto Alegre para discutir a situação dos descendentes de africanos no Brasil. Nessas conversas, eles concluíram que o 13 de maio – Dia da Abolição da Escravatura, assinada pela princesa Isabel, em 1888 – não tinha maior significado.

Era preciso, então, encontrar uma nova data para reverenciar a luta da população negra brasileira e enaltecer sua participação na sociedade. Nascia, assim, o 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, data de evocar a figura de Zumbi e o Quilombo de Palmares e de discutir a situação do negro no país.

Entre os participantes do grupo estava o poeta, professor de português e militante da causa negra, Oliveira Silveira. Foi ele quem sugeriu que o 20 de novembro, data da morte de Zumbi do Palmares, fosse adotado como dia de celebração da luta da comunidade negra brasileira. Sete anos depois, o Movimento Negro Unificado Contra Discriminação Racial (MNUDR) oficializou o 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra.

Ex-integrante do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Oliveira Silveira já publicou vários livros.T ambém é autor do capítulo 20 de novembro, história e conteúdo, do livro Educação e Ações Afirmativas: entre a Injustiça Simbólica e a Injustiça Social, organizado pelos professores Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Valter Roberto Silvério, da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo.

Um verso do poeta Oliveira Silveira que muito me emociona é:
Encontrei as minhas origens
Na cor de minha pele
Nos lanhos de minha alma
Em mim
Em minha gente escura
Em meus heróis altivos
Encontrei
Encontrei-as enfim
Me encontrei”


SENADO, Sala das Sessões, 20 de novembro de 2008.

19 de dezembro de 2008

Oliveira Silveira lança “Bandone do Caverá”

bandole
Na foto Adauto (E) com um amigo e o bandônio com o qual ficou conhecido.

O escritor rosariense Oliveira Silveira, residente na capital do RS, lançou no início do mês o poemeto “Bandone do Caverá” homenageando a memória de seu tio Adauto Costa Ferreira, ídolo musical do autor. Adauto que residiu no Touro Passo, Caverá tocava gaita de 8 e 12 baixos, além da de 2 baixos, com dez teclas, entre eles o Bandônio, gaita argentina comprada em Rivera, Uruguai. A tiragem limitada finaliza um projeto datado de 1986.

11 de dezembro de 2008

20 DE NOVEMBRO: Projeto de Lei de Feriado

PROJETO DE LEI FERIADO NACIONAL
http://www.camara.gov.br/sileg/integras/181461.pdf


PROJETO DE LEI n.º 209 / 2008

Autora: Lurdinha Salvador Ginetti e outros vereadores
Assunto: Fica instituído no Município de Americana “SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA”.

De iniciativa da Vereadora Lurdinha Salvador Ginetti, eu, Dr. Erich Hetzl Júnior, Prefeito Municipal de Americana Estado de São Paulo, depois de aprovado pela Câmara Municipal do Município de Americana, promulgo a seguinte Lei:

Art 1°- Fica instituída, no âmbito do Município de Americana, a “Semana da Consciência Negra”, a ser comemorado, anualmente, na semana que incide o dia 20 de novembro.

Art 2° - A “Semana da Consciência Negra” passará a constar do Calendário Oficial de Eventos da cidade de Americana.

Art. 3° - Na comemoração da “Semana da Consciência Negra”, previsto no art. 1º desta Lei, o Poder Executivo promoverá, através das Secretarias de Cultura e Educação, a realização de campanhas de integração e eventos para disseminação da cultura afro-brasileira, em especial da luta dos negros africanos no Brasil e da história de “Zumbi dos Palmares– Um Grande Herói Nacional”, com o apoio da ACIA – Associação Comercial e Industrial de Americana, do SINDITEC – Sindicato das Indústrias de Tecelagens de Americana, Nova Odessa, Santa Bárbara D´ Oeste e Sumaré.

Art. 4º - As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições contrárias.

Plenário Dr. Antônio Álvares Lobo, em 11 de dezembro de 2008.
Lurdinha Salvador Ginetti, Vereadora PDT

JUSTIFICATIVA

SENHORES MEMBROS DA CÂMARA MUNICIPAL,

1. INTRODUÇÃO


Trata a presente propositura do projeto de lei que institui, no Município de Americana, a “SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA” como semana de atividades da cultura afro-brasileira a ser comemorado, anualmente, na semana do dia 20 de novembro.

A iniciativa da matéria se insere dentre aquelas do tipo geral ou concorrente, nos termos do art. 38, “caput”, da LOM, atendidas, no caso, as demais regras do processo legislativo para sua propositura.

2. DO PROJETO DE LEI

O projeto de lei em questão objetiva instituir, no Município de Americana, a “SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA” como semana de atividades da cultura afro-brasileira a ser comemorado, anualmente, na semana do dia 20 de novembro, data esta da morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares.

É meritória a iniciativa de tal projeto, pois confere à luta histórica de milhões de negros e negras africanos e afro descendentes contra o racismo e a exclusão social, decorrentes da escravidão e do colonialismo europeu.

Faz-se necessário algumas digressões para rememorar e, pari passu, declinar os devidos créditos aos movimentos sociais negros e às centenas de personalidade que ofertaram a sua vida militante em nome de uma causa que ainda hoje labuta por um reconhecimento à altura da contribuição social do negro, na formação da sociedade brasileira e na construção do nosso país.

O ex-Senador Abdias do Nascimento, em seu informe de produção legislativa de setembro/dezembro de 1997, editado pelo Senado Federal, fala com propriedade da contribuição definitiva dos movimentos sociais negros na consolidação de uma consciência e de uma identidade racial negra, rumo à reconstrução do Líder negro Zumbi dos Palmares, in verbis:

Dezenas de organizações afro-brasileiras surgiram na primeira metade daquela década no Rio de Janeiro, Salvador, Belo Horizonte, São Paulo e Porto Alegre – para não falar da Frente Negra, do Teatro Experimental do Negro e de tantas outras entidades precursoras, de um tempo em que a luta negra não se chamava “movimento”. Uma das mais importantes dessas organizações, pela ousadia e pioneirismo de suas propostas, é o Grupo Palmares, fundado em 20 de julho de 1971 por Antônio Carlos Cortes, Ilmo da Silva, OLIVEIRA SILVEIRA e Vilmar Nunes. Ousadia por desafiar abertamente o regime ditatorial instalado em 1964, para o qual a questão racial constituía uma espécie de anátema. E pioneirismo por levantar a bandeira 20 de Novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, como o “Dia Nacional da Consciência Negra”.

Neste nível de raciocínio e entendimento, nosso grande Abdias, um dos maiores lutadores sociais negros deste século, indica o artigo de um dos fundadores do Grupo Palmares, o poeta Oliveira Silveira, intitulado “A idealização do 20 de Novembro”, que fora publicado em novembro de 1993 na Gazeta Afro-Latina, a seguir reproduzido:

A data de 20 de novembro vem sendo evocada no Brasil há 22 anos. E há 15 anos é chamada Dia Nacional da Consciência Negra. Tudo começou em Porto Alegre no ano de 1971, quando o Grupo Palmares assinalou a data realizando ato em homenagem ao Estado Negro dos Palmares e propondo uma alternativa para as infundadas comemorações do dia 13 de maio. A denominação Dia Nacional da Consciência Negra, dada pelo MNUCDR sete anos mais tarde, em 1978, foi uma conseqüência do trabalho do Grupo Palmares, de Porto Alegre.

O Grupo Palmares nasceu na Rua Tomás Flores, 303, bairro Bom Fim, onde foi realizada a primeira reunião em 20 de julho de 1971. Isso acontecera após vários bate-papos na Rua da Praia, quando um dos maiores contestadores do 13 de maio era um preto alto chamado Jorge Santos ou Jorge dos Santos, ator nato, não burilado. Mas ele não foi à reunião inicial nem se integrou ao grupo. Sua contribuição foi essa de alimentar as discussões informalmente. Os iniciadores do grupo em 20 de julho foram Antônio Carlos Cortes, Ilmo da Silva, Oliveira Silveira e Vilmar Nunes.

Depois foram chegando outras pessoas, como as universitárias Anita Leocádia Prestes Abad e Nara Helena Medeiros Soares (falecida). Elas participavam do grupo no primeiro ato evocativo do 20 de novembro. Segundo o documento contendo a programação, Ilmo já se afastara, mas Vilmar e Cortes ainda continuavam. Cortes não acompanhou toda a trajetória do Grupo Palmares em sua primeira fase, que se estendeu até 1978. Mais tarde surpreendeu optando por uma linha político-partidária direitista, mas conservou uma postura negra. Helena Vitória dos Santos Machado compareceu ao primeiro vinte e depois ingressou no grupo, foi coordenadora e uma das principais responsáveis pela linha do grupo no nível das idéias, ao lado de Anita (durante o tempo em que atuou) e de Marisa Souza da Silva.

É longa a lista de pessoas que trabalharam no Palmares ou tiveram uma passagem por ele: Antônia e Marli Carolino, Gilberto Alves Ramos, Maria Conceição Fontoura, Margarida Martimiamo, Irene F, Santos, Leni Souza, Otacílio R. Santos, Rui R. Moraes, Vera Daisy Barcellos, Ceres Santos, Hilton Machado... Todos na lista sujeita a omissões incluída no folheto Palmar Palmares (Porto Alegre, Associação Negra de Cultura, 1991). Haveria uma segunda fase como grupo de trabalho (GT Palmares) do Movimento Negro Unificado na década de 80 e uma terceira, já desligado do MNU, fase em que surgiu (e teria sido como decorrência do Palmares) o trabalho musical do grupo Coisapreta. Helena e Marisa, articuladoras nessa fase iniciada em 1987, poderão dizer se ela se encerrou ou se o trabalho do Grupo Palmares ainda continua de forma silenciosa ou indireta...

O grupo tomou o nome de Palmares em homenagem ao Estado negro livre do século XVII, reconhecido como “momento maior” na história do negro no Brasil. Dentro do grupo, quem sugeriu a data de 20 de novembro, dia da morte heróica de Zumbi, foi o componente Oliveira, com base em livros de Edison Carneiro e Ernesto Ennes, além de um dos fascículos da coleção Grandes personagens de nossa história, da Editora Abril, número dedicado a Zumbi.

A importante obra de Clóvis Moura, Rebeliões da senzala, não chegou a ser consultada na época. Também é oportuno observar que o historiador branco Décio Freitas só ficou conhecido do grupo no dia do ato em 20 de novembro de 1971, quando compareceu por ter lido a notícia na imprensa. Na ocasião, ofereceu um exemplar de Palmares – La guerrilla negra, edição uruguaia. Só a partir daí sua obra iria contribuir para o trabalho do grupo que mais adiante encarregou o componente Oliveira de apresentar o autor ao editor para a primeira edição em português de Palmares – a guerra dos escravos, pela Editora Movimento. Realizado o primeiro ato evocativo do vinte, em 71, o trabalho não parou. Ao lado de outras promoções feitas ao longo de cada ano, o Palmares continuou assinalando e divulgando a data.

A prática foi sendo adotada no centro do país, especialmente em São Paulo e Rio. Sete páginas da “Revista ZH” do jornal Zero Hora de Porto Alegre em 1972; espetáculo musical, exposição de pintura e palestra em 1973 (além de entrevista concedida a Alexandre Garcia, o mesmo da TV Globo, então na sucursal do Jornal do Brasil em Porto Alegre, publicada em 13 de maio); manifesto através do Jornal do Brasil (novamente Alexandre Garcia), com idéias do grupo, histórico de Palmares – Estado, a proposta de reformulação dos livros didáticos quanto à história do negro, em 1974; encontro cultural (com o grupo artístico Afro-Sul) em 1975; livreto Mini-história do negro brasileiro no vinte de 1976; e evento cultural na Associação Satélite-Prontidão (de negros) com a presença de Oswaldo Camargo, escritor paulista, minibiblioteca e grupo Nosso Teatro (depois Razão Negra), em 1977 – são fatos que mostram a ação continuada e decidida do Grupo Palmares em prol da consolidação de sua proposta em nível local e nacional.

Quando em 1978 se formou o Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial (MNUCDR) e propôs num congresso seu, em Salvador-BA que a data fosse chamada Dia Nacional da Consciência Negra, já se iam sete anos de trabalho duro do Grupo Palmares, reconhecido e seguido por outras entidades do país. O MNUCDR, depois MNU, apenas batizou a data com uma expressão feliz e contribuiu para ampliar o seu âmbito. No manifesto de Salvador, entretanto, nenhuma referência foi feita ao Grupo Palmares e seu pioneirismo. Só em 1981, em sua revista nº 3 em 1988 no jornal Nego de abril e em 1991, também em seu jornal e no transcurso dos “20 anos do vinte”, é que o MNU abriria espaço para fazer justiça ao grande esforço político do grupo sulino.

Uma das fundadoras do MNU, a antropóloga Lélia Gonzáles, refere "ao alerta geral do Grupo Palmares” e a proposta gaúcha nas páginas 31 e 57 de seu importante trabalho Lugar de negro, em parceria com Carlos Hasenbalg (Rio, Marco Zero, 1982). Mas grande parte do Movimento Negro nacional parece desconhecer a iniciativa sul-riograndense de 1971 e sua continuidade. Como que paira a idéia de que tudo começou em 1978, quando o que houve então foi uma convergência para um novo estágio da luta, em que o MNU desempenhou, sim, um papel fundamental.

O Movimento Negro brasileiro (como por influência negra norte-americana se passou a chamar a luta mantida sempre, no escravismo e na pós-abolição) hoje pode registrar como marco inicial de uma outra fase o ano de 1971, quando surgiu uma nova e decisiva força motivadora e aglutinadora: a evocação do vinte de novembro.

Algumas distinções:

O Palmares foi sempre um grupo de negros e com isso legitimou sua proposta como iniciativa gerada no seio da comunidade negra e por ela imposta à sociedade. Há grupos que preferem ser mistos e assim perdem às vezes a oportunidade de marcar sua ação política como genuinamente negra.

Parece que o Movimento Negro (MN) não quis assimilar bem a proposta do Grupo Palmares relativamente ao vinte. O MN individualiza (há exceções), ressaltando a figura de Zumbi, na linha da historiografia oficial, que destaca indivíduo, o herói singular, como se fizesse tudo sozinho.

Individualismo, coisa tão cara ao sistema capitalista. O grupo Palmares sempre valorizou e destacou Zumbi como o herói nacional que é, mas preferiu sempre centrar a evocação no coletivo – 20 de Novembro, dia da morte heróica de Zumbi. E afinal o Estado negro foi uma criação coletiva da negrada.

O 20 de Novembro traz também um possível perigo: seu uso pelo oficialismo e por outros setores ou instituições sociais. O capitalismo tem o poder de absorver bem os golpes que lhe são desferidos. E o poder de recicla-los, redirecionando-os, utilizando-os a seu favor. Quem, como e por que, ou para que, está empenhando a bandeira do vinte? É bom saber, em cada situação. A revista Tição já alertava para isso em 1979, no seu segundo número.

E vem aí o ano de 1995. Estão falando em 300 anos da morte de Zumbi. Não seria mais afirmativo falar em quatro séculos de Palmares ou em 400 anos do início de Palmares (já que tudo começou lá por 1595, se não fosse antes)?

Vinte de novembro de 1695, data da morte heróica de Zumbi, marco para delimitar no tempo um Estado negro, território livre ao longo de todo um século – o XVII – lá na Região Nordeste. O Palmar, a Angola Janga...”

É importante registrar que, no Brasil, diversas casas legislativas estaduais e municipal tem reconhecido o valor simbólico e histórico da data, fazendo valer através de proposições legislativas, o dia 20 de novembro como data símbolo alusivo à consciência negra no Brasil. Importa observar nos textos das leis, a riqueza política e cultural deste símbolo que ultrapassa os muros da história oficial, se revelando como uma das grandes datas nacionais no Brasil, lembrando o líder maior da luta pela libertação dos negros escravizados em nosso País, Zumbi dos Palmares.

Dentre as Leis Municipais já aprovadas sobre o 20 de novembro e Projetos de Lei Municipais sobre o mesmo tema, vale destacar:

- Lei Municipal n° 7.466, de outubro de 1989, do Município de Belém, que Institui o Dia Municipal da Consciência Negra e dá outras providências.

- Lei Municipal nº 11.128 de 14 de Janeiro de 2002, do Município de Campinas, cuja autoria inicial era do Vereador Sebastião Arcanjo, que "Institui o dia 20 de novembro Dia da Consciência Negra, com feriado Municipal, no Município de Campinas."

- Lei Municipal nº 3.789, de 1992, do Município de Florianópolis, que "Institui o Dia Municipal da Consciência Negra"

- Projeto de Lei nº 229, de 1991, da Câmara Municipal de Porto Alegre que “Institui a Semana da Consciência Negra no Município de Porto Alegre e dá outras providências.”

- Projeto de Lei nº 22, de 2003, de autoria do Vereador Darci Simões que "Dispõe sobre a comemoração do "Dia da Consciência Negra" revogando a Lei nº 2.684, de 19 de julho de 2002, em todos os seus termos e dando outras providências".

Também em vários Estados existem Leis Estaduais aprovadas sobre a temática e projetos de lei instituindo o dia 20 de novembro como dia Estadual da consciência negra, valendo citar:

- Lei Estadual nº 11990, de 1995, do Estado de Minas Gerais, que "Institui o Dia Estadual da Consciência Negra e dá outras providências";

- Lei Estadual nº 8.352, de 11 de setembro 1987, do Estado do Rio Grande do Sul, que Institui o "Dia Estadual da Consciência Negra"

- Projeto de Lei 188, de 2002, que Institui a "Semana de Estudos da Consciência Negra", de autoria do Vereador Ítalo Cardoso;

- Projeto de Lei nº 3.408, de 2002, do Deputado Estadual Wolney Trindade, que "Dá nova redação ao Art. 1º da Lei nº 4007/2002, de 11 de novembro 2002";

- Lei Estadual nº 7.968, de 22 de julho de 1992, do Estado de São Paulo, que Institui o "Dia da Consciência Negra", e dá outras providências.

A medida é justa e resta evidente que a “SEMANA DA CONSCIÊNCIA NEGRA” é a consolidação de algo que se tornou um fato social legitimado nacionalmente, reconhecido por diversos governos estaduais e municipais, que coloca em seu devido lugar a história, a cultura, os valores, os costumes e as lutas do povo negro no Brasil e por isto, deve merecer a atenção desta Casa Legislativa.


3. CONCLUSÃO

Concluindo, submetemos o presente Projeto de Lei nº 200/2008 à elevada apreciação dos nobres vereadores que integram o Legislativo municipal, na expectativa de que, após regular tramitação, seja a final deliberado e aprovado na devida forma regimental.


É o projeto.

Plenário Dr. Antônio Álvares Lobo, em 11 de dezembro de 2008.

Lurdinha Salvador Ginetti
Vereadora PDT

20 de novembro de 2008

Poeta explica por que comemorar Dia da Consciência Negra em 20 de novembro

por João Carlos Rodrigues

Repórter da Agência Brasil

Em plena ditadura militar, um pequeno grupo de cidadãos negros costumava se reunir no centro de Porto Alegre para discutir a situação dos descendentes de africanos no Brasil. Nessas conversas, eles concluíram que o 13 de maio - Dia da Abolição da Escravatura, assinada pela princesa Isabel em 1888 - não tinha maior significado. Era preciso, então, encontrar uma nova data para reverenciar a luta da população negra brasileira e enaltecer sua participação na sociedade. Nascia, assim, o 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra - data de evocar a figura de Zumbi e o Quilombo de Palmares e de discutir a situação do negro no país.

Entre os participantes do grupo estava o poeta, professor de português e militante da causa negra Oliveira Silveira. Foi ele quem sugeriu que o 20 de novembro - data da morte de Zumbi do Palmares - fosse adotado como dia de celebração da luta da comunidade negra brasileira. Sete anos depois, o Movimento Negro Unificado contra Discriminação Racial (MNUDR) oficializou o 20 de novembro como o Dia da Consciência Negra.

Ex-integrante do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial, Oliveira Silveira já publicou vários livros. Também é autor do capítulo 20 de novembro, história e conteúdo, do livro Educação e Ações Afirmativas: entre a Injustiça Simbólica e a Injustiça Social, organizado pelos professores Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Valter Roberto Silvério, da Universidade Federal de São Carlos, em São Paulo.

Nesta semana, Oliveira Silveira conversou por telefone, de Porto Alegre, com a Agência Brasil. A seguir, os principais trechos da entrevista na qual ele relembra como surgiu o 20 de novembro, avalia a atuação do movimento negro brasileiro, condena a miscigenação e adverte: “O racismo não desaparece. Pode até se aquietar, mas sempre está vivo e atuante.”

Agência Brasil: Por que o movimento negro gaúcho resolveu buscar uma nova data para reverenciar a luta dos negros contra o regime escravagista, em substituição ao 13 de maio?

Oliveira Silveira: Isso ocorreu em 1971. Estávamos insatisfeitos com o 13 de maio. Havia um grupo de negros que se reunia na Rua da Praia [no centro de Porto Alegre] e o nosso assunto, invariavelmente, era a questão negra e o fato de o 13 de maio não ter maior significação para nós. Logo, surgiu a idéia de que era preciso encontrar outra data. Eu, como gostava de pesquisar, aprofundei-me nisso. E encontrei material, cuja fonte era Édison Carneiro, autor do livro O Quilombo dos Palmares, indicando que Zumbi dos Palmares havia sido morto em 20 de novembro [de 1695]. Essa informação foi confirmada no livro As guerras dos Palmares, do português Ernesto Ennes, no qual foram transcritos documentos. Já que não sabíamos o dia de seu nascimento ou do início de Palmares, tínhamos pelo menos a data da morte de Zumbi, o último rei do quilombo de Palmares, Alagoas. Então, promovemos uma reunião, que originou o Grupo Cultural Palmares, cuja idéia era fazer um trabalho para reverenciar Palmares e Zumbi como algo mais representativo que 13 de maio.

ABr: Qual a crítica que vocês faziam e ainda fazem ao 13 de maio?

Oliveira: Nós vimos logo que o 13 de maio teve conseqüências práticas. Não havia medidas efetivas voltadas à comunidade negra. Foi uma liberdade que apareceu apenas na lei e nada de concreto ocorreu depois. Ao mesmo tempo, era uma data oficial, que o oficialismo governamental queria que fosse comemorada, celebrada, com homenagens à princesa Isabel. Ao passo que Palmares significava uma liberdade conquistada na luta, que durou um século inteiro, e, por isso, era plena de significado. Os homens e mulheres quilombolas fizeram um trabalho de resistência, de afirmação da dignidade humana sem precedentes, de luta pela defesa da liberdade. Então, não havia dúvidas de que aquela era a principal passagem da história do negro no Brasil.

ABr: Quando foi realizado o primeiro ato para reverenciar Zumbi e Palmares?

Oliveira: Como o Grupo Palmares havia se disposto a trabalhar a partir de datas e já estávamos em julho de 1971, resolvemos homenagear primeiro o poeta e abolicionista Luiz Gama, que morreu em 24 de agosto, e mais adiante, em outubro, homenageamos o nascimento do poeta e abolicionista José do Patrocínio. Em novembro, fizemos a homenagem a Palmares. À época, o Grupo Palmares tinha quatro pessoas e depois entraram mais duas mulheres. Por isso, consideramos que o grupo fundador foi formado por seis pessoas, que fizeram esse trabalho em 1971, quando homenageamos Luiz Gama, Patrocínio e Zumbi e Palmares. O Grupo Palmares realizou, então, no Clube Náutico Marcílio Dias, em Porto Alegre, o primeiro ato evocativo a Zumbi e a Palmares. Foi o início de um trabalho que teve continuidade ao longo dos anos.

ABr: Quando o restante do país começou a reverenciar o 20 de novembro?

Oliveira: Inicialmente foi só o Rio Grande do Sul, mas graças à divulgação, com o apoio da imprensa, a data foi se tornando conhecida. Em 1975 e 1976, São Paulo, com grupos de teatro de Campinas e da capital paulista, e o Rio de Janeiro começaram a celebrar o 20 de novembro. De modo que foi se implantando o 20 de novembro no país. Até que em 1978 surgiu a idéia de formar o coletivo de organizações negras denominado MNUDR - Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial. Foi a tentativa de uma organização que reunia algumas entidades, entre as quais algumas já celebravam o 20 de novembro. No final de 1978, numa assembléia na Bahia, foi proposta a denominação de Dia Nacional da Consciência Negra em 20 de novembro. Foi uma idéia feliz de Paulo Roberto dos Santos, um militante do Rio de Janeiro. Então, aquilo fez com que o 20 de novembro se consolidasse [como data de celebração a Zumbi e a Palmares e de afirmação da comunidade negra brasileira], mas foi um trabalho contínuo do Grupo Palmares. Foi também o coroamento de um trabalho realizado no Rio Grande do Sul pelo Grupo Palmares e que se tornou importante, porque foi adotado pelo movimento negro em nível nacional.

ABr: O que representou o resgate da figura de Zumbi e do quilombo de Palmares na luta do negro em busca da cidadania plena e de sua auto-estima?

Oliveira: Foi extremamente significativo, porque o 20 de novembro se mostrou como algo com uma força aglutinadora muito grande. Com isso, muitos grupos se formaram e muitas atividades passaram a ser desenvolvidas. Em São Paulo, por exemplo, criou-se o Festival Comunitário Negro Zumbi, que promovia atividades em cidades do interior. Foi uma motivação muito positiva, especialmente pela mensagem, uma coisa mais afirmativa do que o 13 de maio.

ABr: Como o senhor explica que o resgate histórico de Zumbi e do quilombo dos Palmares tenha começado justamente num estado de maioria branca, como o Rio Grande do Sul, com forte presença de imigrantes de origem européia?

Oliveira: Parece até algo meio milagroso que o segmento negro tenha resistido nos estados do Sul. Antes, a Região Sul era considerada essa parte que vai do Rio Grande do Sul a São Paulo. E foi onde a imigração se localizou preponderantemente. Então, houve uma política voltada para essa região. Foi a política do branqueamento, que trouxe imigrantes e deixou de lado e de fora o indígena e o negro, a partir do século 17. Essa política poderia ter eliminado o segmento negro, mas ele resistiu. Eu considero que os imigrantes vieram como convidados e também interessados. Tiveram depois grande participação, grandes oportunidades e apoio logístico, inclusive de seus países. De modo que eles se desenvolveram muito aqui. Eles não podem ser isentados de culpa ou qualquer coisa nesse gênero, porque, na verdade, são beneficiários da nossa exclusão, da tentativa de exclusão de negros e indígenas.

ABr: Como o senhor avalia a atuação do movimento negro hoje e a inserção do negro na sociedade brasileira?

Oliveira: Foi um processo. O movimento foi se desenvolvendo. Vieram novas fases. Tivemos aquela primeira fase, de 1971 a 1978, que eu chamo de virada histórica. Depois, uma fase de surgimento de organizações e de aproximação com o poder, com o governo e a participação na [Assembléia] Constituinte de 1988. A partir da nova Constituição, temos uma nova fase, na qual o movimento tem uma linha mais prática. Já temos experimentações muito importantes, com participação no governo. Temos a Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial [Sepir] e a Fundação Palmares. São instâncias que nos permitem uma experiência muito válida. Então, o movimento avança. E, com a política de cotas nas universidades, estamos dando passos importantes e necessários.

ABr: O Brasil se intitula como a maior democracia racial do mundo. Como o senhor analisa isso?

Oliveira: A democracia racial é um mito trabalhado especialmente em função dessa política de branqueamento, que nunca foi revogada. A miscigenação é apresentada como uma coisa positiva, mas, na verdade, não é. No Brasil, existe preconceito, discriminação na prática, existe racismo. É um país reconhecidamente racista. Isso é oficialmente reconhecido. Eu acredito que o racismo não é uma coisa que desapareça, que possa ser eliminado. Ele pode se aquietar, mas lá pelas tantas está vivo, forte e atuante.

Autor: André Raboni - 20/11/08 às 7:49

10 de novembro de 2007

20 DE NOVEMBRO É SUGESTÃO GAÚCHA

Em 2006, o Governo Federal lançou o Selo Comemorativo aos 35 anos do Dia da Consciência Negra.

por Sátira Machado, do NÓS SOMOS MÍDIA

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O cabelo, na imagem, traz o nome de várias
personalidades negras, no
Selo Comemorativo aos 35 anos do
Dia da Consciência Negra - (2006)


Em 1971, Ano Internacional para Ações de Combate ao Racismo e a Discriminação Racial /ONU, a imprensa gaúcha abre espaço para a divulgação da primeira evocação no Brasil do dia 20 de novembro , uma manifestação do Movimento Negro gaúcho, em alusão ao dia da morte do lider do Quilombo dos Palmares, Zumbi.

O ato do Grupo Palmares, de Porto Alegre, em 1971, foi celebrado por negros e negras no Clube Náutico Marcílio Dias. A criação do grupo e a escolha da data, estudada e sugerida por Oliveira Silveira, foi fruto de encontros de negros na Rua da Praia (Rua dos Andradas), na capital gaúcha.

A partir de 1978, outros Estados passsaram a celebrar o Dia Nacional da Consciência Negra, no dia 20 de novembro. Em 2003, a data passou a fazer parte do calendário escolar com a implementação da Lei 10.639/03, que inclui o ensino sobre a "História e Cultura Afro-Brasileira" nas escolas públicas e particulares do Brasil e dá outras providências.

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Hélio Santos e Oliveira Silveira

O Prof. Hélio Santos destaca que o Movimento Negro é o movimento social mais antigo do Brasil. O Quilombo dos Palmares foi um dos maiores movimentos sociais na história do País. Na Serra da Barriga, em Alagoas, o quilombo foi espaço de resistência e conscientização onde a comunidade negra podia preservar as raízes africanas e pensar em alternativas para o povo negro no novo continente. No ano de 1670, a República dos Palmares já abrigava mais de 50 mil africanos refugiados do escravismo colonial que mais tempo durou no mundo, até 1888.

O Quilombo dos Palmares foi fundado em 1600, por africanos fugidos das fazendas de engenhos de açúcar de Pernambuco. Em 1655, num dos mocambos de Palmares, nasce Zumbi. O quilombo é invadido várias vezes e, numa dessas os soldados capturam Zumbi. O entregam aos cuidados do Padre Antônio Melo, que lhe ensina a ler muitos livros, inclusive em latim. Em 1670, Zumbi foge do padre e retorna para Palmares. Líder, passa a lutar pelo ideal de liberdade de todos os escravizados, não apenas os habitantes do Quilombo dos Palmares. Em 20 de novembro de 1695 é preso e degolado. A abolição da escravidão no Brasil só saiu em 1888.(www.vidaslusofonas.pt)

Em 1986, o local foi tombado. A Serra da Barriga fica a 80 Km de Maceió, no município de União dos Palmares e é considerado o principal sítio arqueológico do país. O arqueólogo da Universidade de São Paulo (USP) Paulo Zanettini, o professor americano Charles Orser, da Universidade de Ilinois e o professor da Unicamp Pedro Paulo Funari foram os primeiros pesquisadores na serra. Hoje, o arqueólogo estadunidense Dr. Scott Allen, radicado no Brasil há cerca de uma década, é quem responde pelo sítio arqueológico da Serra da Barriga, junto com o Núcleo de Estudos e Pesquisas Arqueológicas da UFAL (Nepa).

9 de novembro de 2007

ORIGENS DO VINTE DE NOVEMBRO

por Oliveira silveira, professor e integrante do Conselho Nacional de Promoção a Igualdade Racial (2004-2007)

Foram necessários 35 anos! E evidente há um relativismo nessa afirmação e... exclamação. são 35 anos do que se pode chamar de período contemporâneo da resistencia e das lutas negras no Brasil, quando já denominadas Movimento Negro - período contado a partir de 1971. Esse foi um ano demarcador através da primeira celebração nacional do Vinte de Novembro.

Novos tempos se iniciam desdobrando-se em três fases: 1971-78 - a virada histórica; 1978-88 -organização, ações políticas,, protestos, posicionamento estratégico...; e de 1988 rm diante - as conquistas mais concretas e palpáveis: presença na Constituição, espaços públicos desde Fundação Cultural Palmares à Seppir, reparações via ações afirmativas (cotas, reserva de vagas, programas e áreas como saúde e educação, bolsas de estudos como as do instituto Rio Branco),territorialidade negra, etc.

Foram necessários 35 anos de ação continuada para chegar a algum retorno significativo - muito significativo, aliás - ou para encaminhar outros, dando sequência ao trabalho resistente de gerações e gerações negras ao longo de cinco séculos. mas desde 35 anos com o Vinte de Novembro, fiquemos apenas com as origens.

Daquele treze a este vinte

A evocação do dia vinte de novembro como data negra foi lançada nacionalmente em 1971 pelo grupo Palmares, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O grupinho de negros se reunia costumeiramente em alguns fins de tarde na Rua da Praia (oficialmente dos Andradas) quase esquina com Marechal Floriano, em frente a casa Masson. Eram vários esses pontos de encontros, havendo às vezes algum deslocamento por alguma razão. Pontos negros.

Na roda, tendência à unanimidade.O Treze de maio não satisfazia,não havia por que comemorá-lo. A abolição só havia abolido no papel, a lei não determinara medidas concretas, práticas, palpáveis a favor do negro. E sem o Treze era preciso buscar outras datas, era preciso retomar a história do Brasil. Nas conversas , a república, o Reino, o Estado, o Quilombo dos Palmares (Angola Janga) foi o que logo despontou na vista d'olhos sobre os fatos históricos.

As fontes que levaram ao 20 de novembro de 1695 foram o fascículo Zumbi da série Grandes Personagens da nossa história, editora Abril Cultural, 1969, o livro O Quilombo dos Palmares, de Edson Carneiro (São Paulo: Editora Brasiliense, 1947 e, corroborando, a obra As guerras nos Palmares, do português Ernesto Ennes, ditado na coleção Brasiliana (São Paulo: companhia Editora Nacional, 1938).

Foram quatro participantes da primeira reunião, iniciadores da agremiação ainda sem nome: Antonio Carlos Cortes, Ilmo da Silva, Oliveira Silveira e Vilmar Nunes. Um quinto de nome Luiz Paulo, assistiu mas não quis fazer parte do trabalho. A idéia era um grupo cultural com espaços para estudos e artes, notadamente literatura e teatro. Afinal estavam bem presentes e atuantes os exemplos do Teatro Experimental do Negro, o TEN, e da militância de Abdias do Nascimento, exemplo do poéta Solano Trindade e do Teatro Popular Brasileiro. Era preciso conhecer mais a história, debater as questões raciais, sociais. Vinham do exteriorinstigações como socialismo versus capitalismo, negritude, independências africanas e movimentos negros estadunidenses. A reunião foi por volta de 20/07/1971 (e adotou-se esta como data inicial do grupo).

Já na próxima ou em alguma das reuniões seguintes, ingressou Nara Helena Medeiros Soares (falecida) e dois ou três meses adiante Anita Leocádia Prestes Abdad, ambas consideradas também fundadoras.

O local da primeira reunião foi a casa situada no número 303 da rua Tomás Flores, bairro Bom Fim. Era uma casa de professores: José Maria Vianna Rodrigues (falecido no ano anterior), Maria aracy dos Santos Rodrigues, Julieta Maria Rodrigues, Oliveira Silveira, a menina Naiara Rodrigues Silveira, futura docente, e a senhora Jovelina Godoy Santana, sem esse título mas guardiã de lições de vida (longa). Ali haviam sido corroborados os estudos do Vinte de Novembro, e de Palmares, com a leitura do livro de Ernesto Ennes, num esquecido e mal folhado exemplar cedido ainda em vida pelo professor josé Maria. Lembrado e retomado em momento oportuno, o volume passou a ser devidamente conhecido como valioso.

A segunda reunião e algumas das seguintes, foram em casa de Antônio Carlos Cortes e seus familiars, no prédio da Loteria estadual sito à Rua da Praia quase esquina com a José Manoel. Foi onde e quando o trabalho nascente recebeu o nome de Grupo Palmares.

A denominação Grupo Palmares nasceu do conjunto de participantes da segunda reunião devido as considerações de que Palmares parecia ser a passagem mais marcante da história do negro no Brasilao representar quase um século de luta e liberdade conquistada e sendo também um contraponto à "liberdade" doada no dia 13 de maio de 1888, etc. Outras propostas de nome praticamente não tiveram espaço.

Ao expor brevemente essas considerações já compartilhadas desde as reuniões informais do ponto da Rua da Praia, o componente que vinha estudando Palmares e tentando uma vista d'olhos sobre a história (Oliveira Silveira) - estudos impulsionados por aqueles encontros e diálogos - sugeriu a adoção e evocação do dia 20 de novembro, morte heróica de Zumbi e final de Palmares, justificando:

*não se sabia dia e mês em que começaram as fugas para os Palmares (lá por 1595);

*não havia data do nascimento de Zumbi ou outras do tipo marco inicial;

*Tiaradentes também era homenageado na data de morte, 21 de abril;

*A homenagem a Palmares em 20 de novembro foi incluida no grupo na programação elaborada para aquele ano e foi pocedida por duas outras - a Luiz Gama em setembro e a José do Patrocínio em outubro.

Primeiro vinte

A homenagem a Palmares ocorreu no dia 20 de novembro de 1971, um sábado à noite, no Clube Náutico Marcílio Dias, sociedade negra sita à avenida Praia de Belas nº 2300, bairro Menino Deus, em Porto Alegre. O Marcílio, fundado em 4/7/1949, foi um importante espaço físico, social e cultural perdido nos anos 80. público reduzido, conforme o esperado, mas considerado satisfatório.

"Zumbi, a homenagem dos negros do teatro" foi título da Folha da Tarde para a nota publicada no dia 17. E nessa época de ditadura, em que os militares eram chamados de gorilas, o teatro era muito visado. O grupo foi chamado à sede da Polícia Federal para, através de um de seus integrantes, apresentar a programação do ato e obter liberação da censura no dia 18.

A homenagem a Palmares em 20 de novembro de 1971 foi o primeiro ato evocativo dessa data que, sete anos mais tarde, passaria a ser referida como dia nacional da consciência negra.

Virada histórica e construção

A partir de meados de 1972 a formação do grupo contava com Antonia Mariza Carolino, Helena Vitória dos Santos Machado e Marli Carolino, além de Anita e Oliveira. Um dos principais locais de reunião passou a ser o bar da Faculdade de Filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, a UFRGS, que na época era URGS. Anita Leocádia Prestes Abad, que em 1973 já não estava mais no grupo. Helena Vitória dos Santos Machado e, a partir de 1976, Marisa Souza da Silva foram integrantes cuja participação contribuiu decisivamente para o ajuste do trabalho ao contexto das lutas sociais.

Uma cronologia pode demonstrar o esforço continuado, marcando o Vinte de Novembro,ano a ano até a sua total implantação no país.

1971 - Primeiro ato evocativo do Vinte de Novembro, a homenagem a Palmares em 20/11 no clube Náutico Marcílio Dias.

1972 – Sete páginas dedicadas a Palmares na revista ZH o jornal Zero Hora em 19/11. Histórico de Palmares, depoimento do grupo, redigido por Helena Vitória dos Santos Machado, poema de Solano Trindade com ilustração de Trindade Leal, um conto, capa e ilustração da artista plástica negra Magliani (Maria Lídia), além da ilustração de Batsow, imagens aproveitadas do fascículo Zumbi da Editora Abril e fotos. Material organizado e redigido pelo componente Oliveira e Editado por Juarez Fonseca, do Zero Hora.

1973 – de 6 a 20/11, exposição “três pintores negros” (Magliani J. Altair Paulo Chimendes), palestra de Décio Freitas e o espetáculo “Do carnaval ao quilombo” ( música e texto.

Local: Teatro de Câmara. Em treze de maio fora publicada no jornal do Brasil uma entrevista concedida pelo grupo Palmares. Segundo informações, uma síntese de matéria apareceu no jornal francês Lê Monde. Nesse e noutros anos, televisão e rádio ajudaram na difusão da proposta.

1974 – Divulgação de manifesto através do jornal do Brasil, em matéria assinada por Alexandre Garcia (repórter também na entrevista de 13/5/73). No texto, breve histórico de Palmares “e outros movimentos negros”e indicação de bibliografia. Maria Beatriz Nascimento (2002, p.48), atenta registrou.

1975 - Encontro do grupo Palmares e grupo Afro-Sul, de música e dança, no Clube de Cultura, associação judaica. A seguir em 10 e 16 de dezembro, foram realizadas em parceria com o clube duas palestras e Décio Freitas.

1976 – Lançamento do livreto “Mini-história do negro brasileiro”, na sociedade negra Nós os Democratas. Da tentativa de reformulação surgiu posteriormente “História do negro brasileiro:uma síntese”, um outro livreto editado pela prefeitura de Porto alegre, através da SMEC, em 1986, assinado por Anita Abade outros. Nesse ano em novembro, semanas do negro em Campinas-SP com o grupo Teatro Evolução e em São Paulo com o Cecan e o Cebac. No Rio de Janeiro, conferir ações do IPCN, por exemplo, entidade nova já atenta ao Vinte de Novembro.

Meses antes em 1976, o grupo Palmares recebeu a visita de Orlando Fernandes, vice presidente do IPCN, e Carlos Alberto Medeiros, vice-presidente de relações públicas. O vinte ganhava adesões.

1977 – Ato de Associação Satélite-Prontidão, sociedade negra, com exposição da minibiblioteca do Grupo Palmares e a presença do escritor negro paulista Oswaldo de Camargo, convidado especial. O grupo Nosso Teatro, depois Grupo Cultural Razão Negra, fez apresentação demonstrativa (não a caráter) de sua montagem para a dramatização de “Esperando o embaixador“, conto de Oswaldo.

Além de assinalar o Vinte de Novembro, o Grupo Palmares realizou outra atividades como visita, estudo e divulgação da Congada de Osório-RS em 1973, aproximação com sociedades negras (clubes) mural na sociedade 508 Nós os Democratas, interação e intercâmbio com outros grupos ou entidades... Motivado pelo exemplo de Porto Alegre foi criado em 4/8/1974 em Rosário do Sul – RS, o grupo Unionista Palmares – data de registro para a fundação ocorrida em 21/7. A partir de 20/11/2001º nome mudou para Grupo Palmares de Rosário do Sul.

A primeira fase do Grupo Palmares de Porto Alegre, encerrou em 3 de agosto de 1978. Viriam outras duas, mais adiante. Mas o Vinte de Novembro já estava implantado no país, já estava estabelecida a virada histórica e construído ao longo de sete anos um novo referencial para o povo negro e sua luta. Para o indivíduo negro, o homem ou mulher, sua auto-estima, sua identidade. Criança ou adulto. Novo referencial para o Brasil,com atenções até no exterior, verificadas mais tarde.

E o Vinte de Novembro logo receberia a adesão importante do MNUCDR com a denominação Dia Nacional da Consciência Negra. Receberia , na figura do rei e herói o Festival Comunitário Negro Zumbi (Feconezu), para cidades do Estado de São Paulo. E estava, através da imagem de Zumbi ou explicitamente, como data negra, no Grupo Tição (1977-1980), de Porto Alegre, em sua revista nº 1, de março de 1978; na seção afro-latina-América do jornal ou revista Versus em outubro de 1978, São Paulo; na literatura negra, em “Cadernos Negros” nº 1, São Paulo, o primeiro de uma grande série e com versos de Cuti, Eduardo de Oliveira e Jamu Minka falando em Zumbi, em Ele Semong e José Carlos Limeira juntos em “O arco-íris negro”, no Rio em 1978, ou em Abelardo Rodrigues de “Memória da noite”, no mesmo ano em São Paulo. O Vinte de Novembro e seu espírito já estavam muito bem incorporados à vida e à luta.

O espírito do Vinte

O historiador negro mineiro Marcos Antônio Cardoso (2002, p.47, 48, 66, 67) faz justiça ao Grupo Palmares e sua iniciativa de marcar o Vinte de Novembro, destacando a atuação do grupo no conjunto de ações do movimento negro ,objeto de sua preciosa disertação.

O grupo Palmares primou sempre por um detalhe: ser formado exclusivamente por negros. Com isso, a iniciativa, as idéias e a prática do Vinte se constituem em criação inequivocadamente negra, emergindo da própria comunidade negra e seguindo caminhos próprios, com suas próprias forças e fragilidades . A nominata consagra a importância do individual na composição de um grupo.

Grupo Palmares – Porto Alegre,Rio Grande do Sul, Brasil
Fases:1971ª 1978; GT Palmares do MNU e autônoma novamente, ambas na ´cada de 80. A partir de 1988 ou 1989 dilui-se em ramificações.

Iniciadores – Antonio Carlos Cortes,Ilmo da silva, Oliveira Silveira, Vilmar Nunes, Anita Leocádia Prestes Abad e Nara Helena Medeiros Soares.

Em novas formações – Antônia Mariza Carolino, Gilberto Alves Ramos, Helena Vitória dos Santos Machado, Margarida Maria Martimiano, Marisa Souza da Silva e Marli Carolino.

Registre-se ainda a passagem, pelo grupo, de Irene Santos, Leni Souza, Luiz Augusto, Luiz Carlos Ribeiro, Maria Conceição Lopes Fontoura, Otalício Rodrigues dos Santos, Rui Rodrigues Moraes e Vera Daisy Barcelos. Na segunda fase (GT Palmares MNU), Cees Santos. Na terceira (Autônoma, pós MNU ), Hilton Machado. Estiveram ligados de alguma formaao trabalho Luiz Mário Tavares da Rosa e Maria da Graça Lopes Fontoura , além de um grupo de estudantes de ensino médio, entre os quais Eliane Silva (Nany) e Aírton Duarte. O grupo Palmares contou, paralelamente, com o apoio de um cpirculo de colaboradores e simpatizantes negros. Aliados, em outro segmentos étnico-raciais, emprestaram também seu apoio, ocasionalmente.

O Grupo Palmares sempre valorizou e destacou Zumbi como herói nacional que é, mas preferiusempre centrar a evocação no coletivo: 20 de novembro - Palmares, o momento maior (slogan em cartaz e convite em 1973). Ou então: a homenagem a Palmares em 20 de novembro, dia da morte heróica de Zumbi. Afinal o Estado Negro foi uma criação coletiva da negrada.

O espírito do Vinte é negro, popular e se aninha junto à família negra: homem negro, mulher negra, criança negra. Continuidade étnico-racial com identidade
cultural negra e poder político. Conjugadamente. Uma fórmula, três pricípios. No espírito do Vinte. Ou raça, cultura, poder - em três palavras.

Surgindo numa época em que eram internacionais as influências - da negritude antilhano-africana, das independências na África, do socialismo europeu e dos movimentos negros estadunidenses - o Vinte de Novembro, com todo seu potencial aglutinador, era e continua sendo motivação bem nacional. Afro-brasileira. Negra. Natural, portanto, que em seus 35 anos esteja contemplado numa agenda nacional montada sob liderança da ministra Matilde Ribeiro e coordenada pela Seppir, essa grande experiência, inédita e fecunda. Modelar, inspirando adoção de organismos similares em outros países com peculiariade local e criatividade própria de cada um deles. Mais: conduzindo internamente um processo importante, necessário e, por vocação, irreversível.Sinal de que a luta valeu e vale a pena. Sinal de que negros e negras, com adesão de aliados e aliadas construímos e vivemos simtempos novos e promissores no Brasil.

Referências bibliográficas

CARDOSO, Marcos Antônio. O movimento negro em Belo Horizonte : 1978 - 1998. Belo Horizonte: Mazza
Ed; 2002. 240 p.

SILVEIRA, Oliveira. Vinte de Novembro: história e conteúdo, , in SILVA, Ptronilha Beatriz Gonçalves e;

SILVERIO, Valter Roberto (Orgs) . Educação e Ações Afirmativas: Brasília-DF: Mec/Inep, 2003. 270 p.

8 de novembro de 2007

Oliveira Silveira contra a metáfora chapa-branca

Ronald Augusto (*)
Porto Alegre (RS) · 17/10/2007

Oliveira Silveira, poeta, nasceu em Rosário do Sul (RS) no ano de 1941. Publicou, entre outros, Germinou, Porto Alegre, 1968; Banzo, Saudade Negra, Porto Alegre, 1970; Pêlo Escuro, Porto Alegre, 1977; Roteiro dos Tantãs, Porto Alegre, 1981; Anotações à Margem, Porto Alegre, 1994. Todos livros de poesia. Seus poemas também já foram traduzidos, entre outras línguas, para o inglês e o alemão, e essas traduções apareceram respectivamente na revista Callaloo, The Johns Hopkins University Press (1995), e na antologia Schwarze Poesie, Edition Diá, 1988.

De 1995 para cá, mais exatamente com a publicação do ensaio “Transnegressão” (in Presença negra no Rio Grande do Sul, org. Fernando Seffner, UE, Cadernos Porto & Vírgula, págs. 47-55), momento em que comecei a escrever de maneira mais crítica a respeito de poesia e coisas afins, o percurso textual de Oliveira Silveira tem sido objeto do meu interesse e da minha fruição. Cabe lembrar (e disso me orgulho) que mantemos um diálogo fraterno já há mais de 25 anos.

Sobre sua poesia, entre outras coisas, posso adiantar ao leitor que Oliveira Silveira despreza a complexidade do “literário” convencido e convencional em benefício de outra espécie de complexidade, a saber, ele credita suas forças numa secura antes espartana do que cabralina.

Oliveira é capaz de uma contensão e de uma elegância que só me permito associá-las à sempiterna e serpentina vanguarda da velha-guarda de todos os sambas. A metalinguagem do samba - que se dá a ver na mais ligeira recordação de alguns exemplos do seu cancioneiro -, desmente a concepção de que o uso da metalinguagem é uma prerrogativa viciosa e restrita à erudição de cunho burguês.

Assim, como acontece na arte dos grandes sambistas, a nota metalinguística comparece na obra de Oliveira Silveira, mas de maneira não exibicionista. Oliveira, então, fala de poesia no poema, mas como se reconhecesse um discreto fardo contido nesta sorte de felicidade “arte-feita”.

A gestalt severa e exata da poesia de Oliveira, sua brevidade grave e algo epigramática - considerada se quisermos a partir da perspectiva que reconhece uma vertente negra na literatura brasileira -, é emblema de ceticismo tanto em relação à ética do homem branco, quanto ao viés estético referendado pelo meio literário, representação especular, mas com suas particularidades, dos conflitos étnicos e sociais presentes sob o arco ideológico.

Oliveira nunca perde de vista, no trato com a matéria verbal, que o que aí está em causa é a visão da poesia como arte, isto é, ele constrói o poema desde um ponto de vista estético. A poesia é uma coesão fundo-forma. A idéia ou o conteúdo são visados pelo poeta como dados estéticos e construtivos agenciados e relacionados a outros dados estéticos que compõem a estrutura do poema. Sua poesia, portanto, não cabe dentro dos limites reducionistas de uma “arte participante” ou engajada.

A poesia de Oliveira Silveira se nutre de uma salutar desconfiança a propósito do poder de comunicação da metáfora. Silveira parece dar-se conta de que a naturalização da metáfora, sua precedência, por assim dizer, sobre outros elementos da função poética da linguagem, encobre um barateamento expressivo mesclado a uma afetação kitsch que está a serviço da mundanização da figura do poeta e de sua inserção filisteísta nos quadros de um sistema literário cada vez mais chapa-branca. Felizmente, imbricada em sua poesia elegante há a dose essencial de antipoesia.

Os poemas de Oliveira Silveira continuam, portanto, críticos e, a cada dia que passa, menos alambicados. Um desaforo calmo aos medianeiros da metaforização indecorosa. Os versos de sua linguagem produzem uma estranha delicadeza que vela maliciosamente o cacto “áspero, intratável e forte”.

Oliveira, o homem que inventou o 20 de Novembro. Tradutor de Aimè Cèsaire e Langston Hughes. Poeta que se atreveu a exercitar, hoje, o que nos restou do eco épico (Souzalopes dixit) sem cair em erro: refiro-me à obra Poema sobre Palmares de 1987, onde Oliveira tematiza e recria a experiência histórica e hoje canonizada do mais importante quilombo das Américas.

Silveira, um dos poucos poetas que se banhou na líquida algaravia das línguas africanas. E mesmo não se dedicando por inteiro a uma franca experimentação poética, Oliveira, em alguns dos seus livros, tem contribuído com inteligentes exemplos de poemas que se fragmentam até a unidade mínima da palavra, isto é, a letra.

Em tais poemas, suspensa na página branca, a letra quase deixa de ser letra ao “contornar” ou esboçar, digamos assim, desenhos metonímicos de atabaques, gaiola, banjo: em suma, todo um arranjo não-convencional, concorrendo para subverter a linearidade discursiva. Não tenho receio de afirmar que estes poemas ampliam consideravelmente as possibilidades de leitura da obra de Oliveira Silveira.

E, finalmente, numa época em que a prática da autopromoção faculta a muito poeta de segunda categoria um lugar de destaque no florilégio medíocre das letras “locais” (Porto Alegre), o silêncio vil e incivil em torno do nome de Oliveira Silveira - sem esquecer que para isso contribui a sua orgulhosa e solitária modéstia - pode ser interpretado como um sinal de distinção. Em resumo: quem não leu ainda a poesia de Oliveira, seja por imperícia, seja por má-fé, que não atrapalhe.


(*) Ronald Augusto nasceu em Rio Grande (RS) a 04 de agosto de 1961. Poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992) Confissões Aplicadas (2004) e No assoalho duro (2007). É co-editor, ao lado de Ronaldo Machado, da Editora Éblis www.editoraeblis.blogspot.com. Traduções de seus poemas apareceram em Callaloo African Brazilian Literature: a special issue, vol. 18, n0 4, Baltimore: The Johns Hopkins University Press (1995), Dichtungsring - Zeitschrift für Literatur, Bonn (de 1992 a 2006, colaborações em diversos números, poesia verbal e não-verbal) www.dichtungsring-ev.de. Artigos e/ou ensaios sobre poesia publicados em revistas do Brasil e sites de literatura: Babel (SC/SP), Porto & Vírgula (RS), Morcego Cego (SC), Suplemento Cultural do Jornal A Tarde (BA), Caderno Cultura do Diário Catarinense (SC), Suplemento Cultura do jornal Zero Hora (RS); Revista Dimensão nº 28/29, tradução de poema de e. e. cummings (MG); Revista ATO (MG); Revista RODA - Arte e Cultura do Atlântico Negro (MG); www.cronopios.com.br; www.overmundo.com.br; www.revista.criterio.nom.br; www.germinaliteratura.com.br; www.slope.org; entre outros. Despacha nos blogs: www.poesiacoisanenhuma.blogspot.com e www.poesia-pau.zip.net. Ministra oficinas e cursos de poesia e é integrante do grupo os poETs: www.ospoets.com.br

www.overmundo.com.br

7 de novembro de 2007

Metapoemas: literatura negra nos textos de Luiz Silva – Cuti, Edmilson Pereira e Oliveira Silveira

por Simone de Jesus Santos

Em face da polêmica em torno do assunto ou simplesmente da denominação Literatura Negra, o trabalho tem como objetivo discutir, a partir dos textos literários metalingüísticos qual (is) possível (is) leitura (s) podemos realizar dos modos como os escritores afro - brasileiros entendem a sua própria produção, já que a sua escrita é tida pela crítica literária e cultural como diferenciada. Enriquecer os debates sobre a produção literária afro-brasileira possibilita um fortalecimento da mesma pelo fato de colocarmos no centro da discussão uma escrita que embora invisibilizada, institui uma outra tradição que visa a uma positiva representação do afro- descendente. Foram investigados os textos dos escritores afro-brasileiros Luiz Silva-Cuti, Edmilson Pereira e Oliveira Silveira. Foi possível concluir que apesar das particularidades presentes nos textos de cada escritor, a Literatura Negra pode ser lida, nos textos dos três escritores, como um instrumento de transformação da visão estereotipada do afro-descendente. Em relação às distinções entre os escritores, observa-- se que Cuti discute muito a dificuldade de publicação da Literatura Negra, enquanto Edmilson dá um destaque à cultura popular dos afro-brasileiros e Oliveira Silveira traz uma constante de releitura de fatos históricos como elemento de constituição identitária.

Pós Letras - Pesquisas do Programa de Pós Graduação em Letras e Lingüística da Universidade Federal da Bahia
http://posletrasufba.blogspot.com/2007/10/metapoemas-literatura-negra-nos-textos.html

8 de janeiro de 2007

OLIVEIRA SILVEIRA por Oliveira Ferreira da Silveira

OLIVEIRA SILVEIRA (Oliveira Ferreira da Silveira) – Poeta negro brasileiro, nascido em 1941 na área rural de Rosário do Sul, Estado do Rio Grande do Sul. Filho de Felisberto Martins Silveira, branco brasileiro de pais uruguaios, e de Anair Ferreira da Silveira, negra brasileira de cor preta, de pai e mãe negros gaúchos.

Graduado em Letras – Português e Francês com as respectivas Literaturas – pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS. Docente de português e literatura no ensino médio. Atividades jornalísticas. Ativista do Movimento Negro.

Um dos criadores do Grupo Palmares, de Porto Alegre. Estudou a data e sugeriu a evocação do 20 de Novembro, lançada e implantada no Brasil pelo Grupo Palmares a contar de 1971, tornando-se Dia Nacional da Consciência Negra em 1978, denominação proposta pelo Movimento Negro Unificado contra a Discriminação Racial, MNUCDR.

Como escritor, publicou até 2005 dez títulos individuais de poesia – Pêlo escuro, Roteiro dos tantãs, Poema sobre Palmares, entre outros – e participou de antologias e coletâneas no país e no exterior: Cadernos negros, do grupo Quilombhoje, e A razão da chama, de Oswaldo de Camargo, em São Paulo-SP; Quilombo de Palavras, organização de Jônatas Conceição e Lindinalva Barbosa, em Salvador, na Bahia; Schwarze poesie/Poesia negra e Schwarze prosa/Prosa negra, organizadas por Moema Parente Augel e editadas na Alemanha por Édition diá em 1988 e 1993, com tradução de Johannes Augel; ou revista Callaloo volume 18, número 4, 1995, e volume 20, número 1 (estudo de Steven F. White), 1997, Virgínia, Estados Unidos.

Na imprensa, publicou artigos, reportagens, e alguns contos e crônicas. Participou com artigos ou ensaios em obras coletivas, caso do ensaio Vinte de novembro: história e conteúdo, no livro Educação e Ações Afirmativas, organizado por Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva e Válter Roberto Silvério – Brasília: Ministério da Educação/Inep, 2002.

Entre algumas distinções recebidas: menção honrosa da União Brasileira de Escritores, do Rio de Janeiro, pelo livro Banzo Saudade Negra em 1969; medalha cidade de Porto Alegre, concedida pelo Executivo Municipal em 1988; medalha Mérito Cruz e Sousa, da Comissão Estadual para Celebração do Centenário de Morte de Cruz e Sousa – Florianópolis-SC, 1998; Troféu Zumbi, obra de Américo Souza, concedido pela Associação Satélite-Prontidão, da comunidade negra de Porto Alegre, 1999; Comenda Resistência Civil Escrava Anastácia, da Rua do Perdão, evento cultural negro, Porto Alegre, 1999; e Tesouro Vivo Afro-brasileiro, homenagem do II Congresso Brasileiro de Pesquisadores Negros, realizado entre 25 e 29 de agosto de 2002 na Universidade Federal de São Carlos, UFSCAR, em São Carlos-SP – ato em 27 de agosto.

Atuação em outros grupos a contar de meados da década 1970: Razão Negra, Tição, Semba Arte Negra, Associação Negra de Cultura. Integrante da Comissão Gaúcha de Folclore. Conselheiro da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República – SEPPIR/PR, integrando, nesse órgão com status de ministério, o Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR, órgão consultivo, período 2004-2006.

Alguns exercícios em texto teatral paradidático (cenas, montagens simples) e música popularesca. Poemas musicados por Haroldo Masi, Wado Barcellos, Aírton Pimentel, Luiz Wagner, Marco de Farias, Paulinho Romeu, Flávio Oliveira, Vera Lopes-NinaFóla, Lessandro e, na Suécia, pela compositora Tebogo Monnakgotla.

23 de dezembro de 2006

OLIVEIRA SILVEIRA NO PORTAL AFRO (www.portalafro.com.br)

O poeta Oliveira Silveira mora em Porto Alegre...

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"Porto Alegre sempre teve negros. Antigamente residiam apenas negros no Bairro Colônia, por exemplo. Depois, após a Segunda Guerra Mundial, os terrenos foram adquiridos pelos judeus e os negros afastados para a periferia. Rio Branco e Bonfim também são redutos negros históricos da capital gaúcha."

...mas nasceu em Rosário do Sul, município situado na fronteira oeste do estado do Rio Grande do Sul, em 1941. Foi criado na zona rural, na Serra do Caverá, região famosa graças a revolução de 1923, palco das atividades do revolucionário Honório Lemes. Formado em Letras, Oliveira Silveira é pesquisador e historiador, além de ter o mérito de ser um dos idealizadores da transformação do 20 de novembro em data máxima da comunidade negra brasileira.

Nesta entrevista o escritor desmitifica a imagem do gaúcho, que como tipo social é unicamente apresentado como branco. Na realidade, segundo Silveira, o gaúcho é também negro, pela própria história do estado, que já contava com escravos desde sua formação:

"Havia escravos nos campos e na lida rural, onde até hoje a presença negra é marcante. Para tanto, basta visitar as estâncias do interior e constatar a presença de negros trabalhando como peões."

Portal: Fale-nos sobre seus livros...

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MÃE-PRETA

Filho de branca babujou teu seio,
negrinho berrou e berrou,
sinhá nenhuma amamentou.
Por que não existe mãe-branca?
Por que não existe mãe-branca?

- Mãe branca?
ora já se viu
é muito desaforo!

Oliveira Silveira
Roteiro dos Tantãs

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Oliveira Silveira - Tenho dez títulos publicados, a maioria em antologias como "Cadernos Negros", "Axé", de Paulo Colina, "Razão da Chama" e o "Negro Escrito", ambos de Osvaldo de Camargo. Também tenho textos publicados no exterior. Na Alemanha, numa coletânea com outros autores negros brasileiros, editada no final de 1988. Nos Estados Unidos, em revistas das universidades de Virgínia e da Califórnia, juntamente com Paulo Colina, Osvaldo Camargo e outros.

Portal – Sua terra natal influenciou sua carreira? Como?

Oliveira Silveira – Sim. Isto se deu através da escola. No início estudava em casa, pois minha professora também morava no sítio. Mais tarde me transferi para Rosário e fiz o ginasial, adiante mudei para Porto Alegre, onde cursei o clássico e a faculdade.

"A literatura surgiu em minha vida na época em que ainda morava em Rosário. Minha infância foi marcada pela poesia popular, quadrinhas e versos de polca entoados durante os bailes campeiros. Ritmos típicos do meio rural gaúcho. É um momento especial, onde as mulheres tiram os homens para dançar e aí se cantam versos, o par diz uma quadrinha um para o outro, começando pelo rapaz e respondida pela moça. Também me lembro dos "causos" contados pelos mais velhos na cozinha, ao redor do fogareiro. Essas narrativas são um substrato da minha literatura."

Mais adiante tive contato com livros e comecei a escrever. Em 1958 publiquei meu primeiro poema, num jornal de Rosário. Isto foi muito importante para o início de minha carreira. A partir dos estímulos recebidos de amigos continuei a escrever poemas regionalistas, que marcam até hoje meu estilo. Não me desvinculei desta linguagem rural. Claro que depois experimentei outras tendências, até chegar na poesia negra, na medida em que me conscientizava. Esta consciência chegou bem tarde.

ENCONTREI MINHAS ORIGENS

Encontrei minhas origens
em velhos arquivos
....... livros
encontrei
em malditos objetos
troncos e grilhetas
encontrei minhas origens
no leste
no mar em imundos tumbeiros
encontrei
em doces palavras
...... cantos
em furiosos tambores
....... ritos
encontrei minhas origens
na cor de minha pele
nos lanhos de minha alma
em mim
em minha gente escura
em meus heróis altivos
encontrei
encontrei-as enfim
me encontrei

Oliveira Silveira
Roteiro dos Tantãs



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Portal – Era possível desenvolver uma consciência racial no interior de um estado como o Rio Grande do Sul?

Oliveira Silveira – Na escola éramos e ainda somos muito mal informados sobre esses assuntos, ainda mais no campo. Mesmo em Rosário não cheguei a tomar consciência de minha condição de negro. Isto aconteceu apenas em Porto Alegre, quando entrei na faculdade. Por aí pode-se ver a força da discriminação e do racismo em nosso país. De certa forma foi a literatura que me iniciou nesse caminho. Através da leitura fui as poucos tomando contato com textos importantes como Orfeu Negro e a antologia organizada por Senghor, entre outros. Eles foram o estopim de meu despertar. A leitura deste material e meu envolvimento na política estudantil ampliaram meus horizontes.

Portal – Era difícil, portanto, construir uma identidade racial?

Oliveira Silveira - O grande problema para a tomada de consciência era que não haviam movimentos ou grupos atuantes. Da escola não se esperava muita coisa. Havia alguma informação sobre escravos e quase nada a respeito de quilombos e movimentos de resistência. No meu caso foi mais difícil pois vim para Porto Alegre como estudante e morava em república, sem nenhum contato com a comunidade negra daqui. Foi estudando a história do negro no Sul que descobri que há muito existiam grupos culturais, teatrais, políticos e outros, que movimentavam-se sem o conhecimento da maioria da sociedade.

Portal - Como o negro chegou no Rio Grande do Sul?

Oliveira Silveira - O Rio Grande de São Pedro do Sul, como se chamava antigamente, começou a ser oficialmente colonizado em 1737. Antes disso, desde o século anterior, o negro já circulava neste território. Os comerciantes portugueses de Laguna, em Santa Catarina, passavam por aqui a caminho de Sacramento, no Uruguai. Desnecessário salientar que os braços dessas comitivas eram de negros escravos. Portanto, desde o século 17 esse chão já conhecia os pés da raça negra. Quando em 1725 uma frota chegou ao Rio Grande, atravessando as águas de São José do Norte, o negro já era uma presença constante.

Portal – E como era a escravidão aqui? Dizem que era mais branda...

Oliveira Silveira – A escravidão nestas terras foi muita violenta. Principalmente durante o ciclo das charqueadas, em Pelotas. Segundo Nicolau Brás, um viajante da época que relatava suas andanças, administrar as charqueadas era como administrar um estabelecimento penitenciário. Aqui também ocorreu a reação do escravo contra o sistema. Consta até a existência de quilombos. O mais comum, porém, era a fuga de negros para o Uruguai, que desde 1727 já era independente. Os uruguaios acolhiam os negros em fuga, claro que por interesse, e estes recebiam um tratamento considerado melhor. Os escravos, portanto, preferiam atravessar a fronteira em busca de um território mais seguro. Existem importantes registros de historiadores como Moacir Flores e Solimar Oliveira Lima, com seu livro "Triste Pampa", além do excepcional trabalho de Cláudio Moreira Bento, que conta a história da presença do negro no Sul do século 17 até 1975! Nestas obras percebemos claramente que a escravidão era violenta. Talvez nas estâncias, pelo tipo de atividade desenvolvida e pelo fato das relações entre donos e escravos ser diferente, fosse "menos" violenta, até pela própria natureza. O fato é que "escravidão é escravidão", e não é boa em nenhum lugar, muito menos aqui. Esta história de escravidão branda é balela.

Portal – Então até aqui no Rio Grande do Sul existiram quilombos?

Oliveira Silveira - Existiram quilombos aqui sim! Pesquisadores como Eusébio Assunção, Solimar Oliveira Lima e Guilhermino César, apontam estes núcleos de resistência nas cercanias de Pelotas, Santana do Livramento e Rio Pardo, entre outras localidades. Infelizmente hoje não temos muitos registros de remanescentes. Existem algumas comunidades estabelecidas ao longo da história que estão sendo mapeadas. Este trabalho já foi executado no norte do estado, resta a parte sul, a mais importante. É uma pesquisa fundamental, pois a partir daí poderemos dar início a processos de reparação e de cobrança da dívida social.

Portal – E estas comunidades, preservaram suas características culturais, como a religião, por exemplo?

Oliveira Silveira – Certamente. Dizem os estudiosos que temos peculiaridades nos cultos africanos daqui que não são encontradas em outras partes do país. Temos duas grandes vertentes: uma definida como Angola Conguense e outra Yorubá ou Gegê Nagô, influenciada pela Nigéria e em menor escala pelo Benin. A presença destas religiões é ostensiva em todo o estado. Porém, acredito que esteja ameaçada. Há uma invasão de pessoas de fora da comunidade que ingressam nesses cultos com interesses puramente comerciais. Ao apropriarem-se do conhecimento, descaracterizam-no e iniciam "negócios" nos países do cone sul. Escrevi um artigo onde alertava a comunidade da necessidade de se criar uma resistência cultural a esses invasores. Os negros cultores destas religiões, que ainda mantém a autenticidade em suas atitudes e moradia, devem ser protegidos desta ameaça.

Treze de Maio

Treze de maio traição,
liberdade sem asas
e fome sem pão


Liberdade de asas quebradas
como
........ este verso.

Liberdade asa sem corpo:
sufoca no ar,
se afoga no mar.

Treze de maio – já dia 14
o Y da encruzilhada:
seguir
banzar
voltar?

Treze de maio – já dia 14
a resposta gritante:
pedir
servir
calar.

Os brancos não fizeram mais
que meia obrigação

O que fomos de adubo
o que fomos de sola
o que fomos de burros cargueiros
o que fomos de resto
o que fomos de pasto
senzala porão e chiqueiro

nem com pergaminho
nem pena de ninho
nem cofre de couro
nem com lei de ouro.

O que fomos de seiva
.......................de base
..................... de Atlas
o que fomos de vida
........................e luz
chama negra em treva branca
.......................quem sabe só com isto:

que o que temos nós lutamos
para sobreviver
e também somos esta pátria
em nós ela está plantada
nela crispamos raízes
de enxerto mas sentimos
e mutuamente arraigamos
....quem sabe só com isto:

que ela é nossa também, sem favor,
e sem pedir respiramos seu ar
....a largos narizes livres
bebemos à vontade de suas fontes
... a grossas beiçadas fartas
tapamos-destapamos horizontes
....com a persiana graúda das pálpebras
escutamos seu baita coração
....com nosso ouvido musical
e com nossa mão gigante
batucamos no seu mapa
....quem sabe nem com isso

e então vamos rasgar
a máscara do treze
para arrancar a dívida real
com nossas próprias mãos.

Oliveira Silveira
Banzo - Saudade Negra


MOVIMENTO NEGRO

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Primeiro ato evocativo de 20 de novembro realizado em 1971 pelo Grupo Palmares, em Porto Alegre

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"Há pessoas que imaginam que o Grupo Palmares tenha chegado ao 20 de Novembro através da obra de Décio Freitas, historiador branco que escreveu "Palmares, A Guerra dos Escravos", livro que teve o mérito de pesquisar mais a fundo a vida de Zumbi. O fato é que quando decidimos pela data, não conhecíamos nem Décio Freitas nem sua obra, ele a havia editado no Uruguai, durante o exílio, em agosto de 1971. A decisão de nosso grupo, portanto, é anterior a publicação de seu livro."


Portal – A instituição do 20 de Novembro como "Dia Nacional da Consciência Negra" partiu de vocês, negros gaúchos. Como surgiu essa idéia?

Oliveira Silveira – O 20 de novembro começou a ser delineado em encontros informais na Rua dos Andradas, aqui em Porto Alegre. Estávamos em 1971. Reuníamo-nos e falávamos muito a respeito do 13 de maio, do fato desta data não ter um significado maior para a comunidade. A partir desta constatação comecei a procurar outras datas que fossem mais significativas para o movimento. Comecei a estudar a fundo a história do negro e constatei que a passagem mais marcante era o Quilombo dos Palmares. Como não haviam datas do início do quilombo, tampouco do nascimento de seus líderes, optei pelo 20 de novembro. Colhi esta informação numa publicação da Editora Abril dedicada a Zumbi, que dava esta data como a de seu assassinato, em 1665. Por ser uma revista, não se apresentava como fonte segura. Resolvi pesquisar um pouco mais, como forma de garantia. mais adiante, no livro "Quilombo dos Palmares", de Edson Carneiro, a data se repetia. Considerei esta fonte segura, pela importância do autor. Além disto, tive acesso a um livro português que transcrevia cartas da época, numa delas era relatada a morte de zumbi, em 20 de novembro de 1665. A partir de então colocamos em ação nossas propostas. Batizamos o grupo de Palmares e registramos seu estatuto, em julho. No dia 20 de novembro do mesmo ano (1971), evocamos pela primeira vez o "Dia Nacional da Consciência Negra", na sede do Clube Marcílio Dias.

Portal – O racismo no sul é mais forte? Ouvi comentários, por exemplo, que negros não entravam no Centro de Tradições Gaúchas. É verdade?

Oliveira Silveira – Este é um caso emblemático. O Centro de Tradições Gaúchas foi criado na década de 40. O modelo era o da estância tradicional do Rio Grande. Uma fazenda de criação de gado, com patrão, capataz e peões. Foi um sucesso, e por iniciativa de tradicionalistas brancos, espalharam-se por todo país. Com o tempo caracterizaram-se como sociedades recreativas, com pretensões culturais. A verdade é que quando os negros aproximavam-se dos Centros eram rechaçados. Foram realmente excluídos.

Por reação, surgiram Centros exclusivos de negros! Isto mesmo, Centros de Tradições Gaúchas criados e frequentados por negros! O mais antigo deles é o "Lanceiros de Canabarro", que fica na cidade de Alegrete.

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A figura ilustra um "Lanceiro Negro", na Revolução Farroupilha (1835 - 1845) no Rio Grande do Sul

"O racismo está presente no Sul, bem como no resto do país, e seus efeitos são similares. Talvez aqui seja mais evidente, afinal a quantidade de negros é bem inferior a de descendentes de europeus. O fato é que o racismo no Rio Grande do Sul tem as mesmas características históricas de todo Brasil."

CULTURA E RESISTÊNCIA

Cantar Charqueada
Até eu cantei charqueada
chorando a sorte do boi.

Mas descobri que meu canto
tem raízes noutro campo:
por trás das cancelas mudas,
por trás das facas agudas.

Meu canto é uma carne escura
charqueada a relho na nalga;
é figura seminua
junto às gamelas de salga.

Carne escura exposta ao vento
dos varais do saladeiro
exposta viva ao sol quente
e suas facas carneadeiras.

Carne que se compra e vende
e de bem longe se importa
se salga, seca e só perde
quando já é carne morta

E meu canto é dessa carne
que não é minha e me dói
sangrando no sol da tarde
de um tempo que enfim se foi

Cabe a mim cantar charqueada
chorando a sorte do boi?

Oliveira Silveira
Pêlo Escuro


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Portal – E como o movimento negro gaúcho se mobilizou na política e cultura ao longo da história?

Oliveira Silveira – Podemos começar em 1892 com a fundação do jornal "O Exemplo", dedicado a questões negras, onde um dos destaques eram os artigos de Esperidião Calixto , que mostravam um alto grau de consciência racial. Calixto foi um infatigável militante na virada do século. O jornal existiu até 1930, foram 37 anos! Um marco na imprensa negra brasileira.

Outro foco de resistência é o Clube Floresta, que já conta com 129 anos. O Floresta fez história. Na década de 20 contava com o Centro Cívico José do Patrocínio, que fomentava atividades culturais, incluindo teatro.

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Em Rio Grande, por volta de 1932, ocorreram sessões da Frente Negra Brasileira, um importante movimento surgido em São Paulo no ano anterior.

Consta também a existência da União dos Homens de Cor, comprovada pelos estatutos da entidade encontrados em Osório.

Culturalmente, podemos destacar o Kikumbi no litoral e a congada "Terno de Maçambique" realizada em Osório, tradicional desde o século 19 e atuante até os dias atuais.

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Na Porto Alegre do início do século 20 havia uma grande atividade cultural negra que os cronistas chamavam genericamente de "batuque". É evidente que este termo encobria manifestações distintas como jongo, semba, capoeira e o próprio samba.

As Escolas de Samba são uma decorrência dos Blocos que surgiram inicialmente em Pelotas, berço da primeira escola, a "Academia de Samba Praiana".

É um assunto muito extenso...

Portal – Especificamente, após a criação do Grupo Palmares em 1971, como está o movimento gaúcho?

Oliveira Silveira – Depois de Palmares temos outras experiências. Uma das mais significativas foi a criação da "TIÇÃO", com três edições, duas como revista e uma como jornal, entre 1977 e 1980. A seguir vem a formação do núcleo local do MNU – Movimento Negro Unificado, que a partir de um certo momento, incorporou-se ao Grupo Palmares. A partir de 80 surgiu o "IAIA DUDU", um grupo artístico de dança e teatro, criado pela atriz Vera Lopes e por Maria Conceição Fontoura. Outro grupo importante é o AFROSUL , que atua na área de dança e música, há mais de 20 anos. Destaco também o "MARIA MULHER", criado em 1987, que é um dos mais atuantes, reunindo trabalhos sociais e culturais de mulheres negras.

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Portal – E o Projeto "Cabobu"?

Oliveira Silveira - É um festival cultural em Pelotas, com música, palestras e oficinas alusivas ao "Sopapo", um grande tambor que estabelece um diferencial entre o samba do sul e o carioca. Há registros que afirmam que este instrumento exista desde 1826! O idealizador deste evento é Giba Giba (Gilberto Amaro do Nascimento), que conta com a colaboração de Cacaio, Boto e Bucha, tradicionais percussionistas de Pelotas. A festa costuma atrair personalidades como Naná Vasconcelos, Chico César e grupos musicais de todo o estado.

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"Minha Pelotas Princesinha do Sul, onde negro com branco não faz misturada"
Solano Trindade, que residiu em Pelotas entre 1939 e 1941.

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Portal – Conte-nos um pouco sobre a literatura feita por negros em seu estado.

Oliveira Silveira – Ela inicia-se no século 19 e um fato dos mais significativos foi a fundação da Sociedade "Parthenum Literário", que influenciou a cultura e a vida política no Rio Grande do Sul. Nesta sociedade havia um negro chamado Luís da Motta, que publicou um livro de poemas e peças de teatro publicadas no jornal "O Exemplo", que reunia outras poetas negros como Alfredo de Souza e Aurélio de Bittencourt. No início do século 20 aparecem outros nomes. O mais importante foi Paulino Azurenha, que além de escritor foi um dos fundadores do "Correio do Povo". Atualmente podemos contar com nomes de peso como Paulo Ricardo de Morais, Ronald Augusto, Jorge Fróes e Maria Helena Vargas, uma poetisa ficcionista muito interessante, entre outros. Hoje a literatura negra é uma realidade no Rio Grande do Sul. Os autores estão presentes.

Portal – Incluindo o senhor...

Oliveira Silveira – Oliveira Silveira, a seu dispor...

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Entrevista realizada em janeiro de 2001 na Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre. Repórter e fotos: Jader Nicolau Jr. Assessoria: Nina Porto. Edição: Milton César Nicolau